quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

as panelas cessaram seu canto

Viu-se defronte ao silêncio. Deparou-se, alí, assim, com ausência de palavras. Sim, foi na falta delas que redescobriu a tortura de saber-se enredada em uma trama pela qual não se imbricara. Enredar-se assim, sem ação, sem gesto, sem passo rumo ao tablado que insistia em mover-se, cena a cena. Era a deixa alí exposta pelo não dito, o acontecimento todo movendo-se, já feito, parido dessa suspensa falta de som, contaminado de muitos oleres também. Havia cheiro naquilo tudo. Não lhe consolava o sentir aquela bruma doçe, fruta mole de pendência a investigar suas narinas, enlaçando a concha da orelha num sussurrar cavernoso. Nessa dança, a palavra calada escorria por entre as reentrâncias minerais. A caixa se abre. Eis que surge - não clara e lustrosa como esperava, serfica curva de não findar-se em si, preciosa. Chupada a pedra toda secava, gruvinhava. Era agora pensamento, idéia robusta e forte se fazendo negra. Vingança.
Tinha acontecido é certo, o sucedido sucedeu-se, e ele alí, reclinado, escapando a luz da luminária trazia uma labareda esposta. As mãos ocres procurando grutas, aqueles fiapos outrora generosos a lhe adornar a nuca, servido de pente austero a cabeleiravolúpia não segurariam mais sua fúria de medusa. E que rosto branco. Mesmo o oliva nutrido de suas palpebras abandonara a vista, mergulhado quem sabe no óleo espesso que fundia sua cabeça com a parede as suas costas.
Era certeza, palavra que escapa de tão precisa, contundência em forma de vazio. Oco corroído de passado recente úmido ainda, quem sabe. Sim, era certeza, ele inteiro untado na forma do corpo dela. A outra. O que doía era largo, vasto horizonte na dobradura da pele ferína da puta. Eis que já tinha nome, a cadela.
O silêncio pendia do altar perdido, era agora dela as rendas todas, havia lhe roubado junto com ele o silêncio, fantasias, posturas, e todo aquele receber generoso que com ele apendera. Era agora isso, palavra cravada na madeira da sala, lâmina rasa atracada no poente da panela, barco sem vela e sem sopro, paragem em alto mar, palavra abandonada.

domingo, 3 de outubro de 2010

alheamento

Era definitivo o som que vinha da avenida.
Pensou que era tão medíocre quanto qualquer uma, que no momento em que se pusesse a escrever seria um desagrado a cada frase, e que certamente aquele hematoma na coxa não apareceria quando vestisse a meia calça pendurada no abajur.
Mudara-se para um pequeno apartamento na região central da cidade e passava mais tempo na cama do que o normal. Mais tempo sozinha do que o normal. Para uma garota solteira até que ela trepava pouco, por muitas vezes no dia lhe assaltava esse gosto ácido enquanto se via a acariciar o lado externo da coxa, friccionando neles a palma tesa.
Flerta constantemente e com absolutamente tudo e traz nos pés uma escoriação por ter dançado exaustivamente ao perceber que precisava de mobília na sala.
A habitação estava disposta da seguinte maneira, a entrada possuía uma especie de corredor curto com um interruptor e uma tomada, que por sinal sempre achou estranha; entretanto, não havia reparado na absurdidade de uma tomada ali ao lado da porta e de ter apenas outras três no quarto-sala onde a entrada desembocava. Até aquele dia. Da cama tinha uma vista da porta da frente e da janela que dava para uma grande avenida exposta como as veias de seu antebraço, cuja pele possuía uma transparência acastanhada.
Tinha em mente essa idéia de que as pessoas não gostavam muito de sua presença pois se achava um pouco extravagante, mesmo que até certo ponto podia suportar-se de maneira sociável. Demonstrava fissura ao alinhar o casquete meio pendente para o lado esquerdo, ou dar um bom caimento no lenço sabendo esconder as orelhas um pouco maiores do que o normal. Quando acordou pela manhã, com a claridade da sacada que rasgava pela porta de correr diretamente na cama, pensou em tomar um café na padaria mas se lembrou que estava sem dinheiro. Levantou da cama eram três da tarde.
Era incrivelmente chato o que a claridade outonal provocava em seus sentidos; como se as coisas saíssem de ordem e acavalassem o cotidiano com detalhes que levava com reticência. Tinha que se depilar mais, proteger melhor a face e os lábios, e tomar um cuidado imenso com a umidade que acumulava nos pés. No entanto vestiu a meia calça sem nenhuma preocupação, nem mesmo com a mancha de textura mais acinzentada que o resto da perna.
Quando criança passava muitas horas sozinha a espiar a vida exposta nas paredes de seu quarto. Retinha-se embaixo do acolchoado apenas com pés para fora, pois suava muito nas extremidades e quando descuidava desse habito de manter os pés gelados, ganhava das noites frias inúmeros e pequeninos cortes entre os dedos.
De quando em quando balançava num vagido o cobertor, deixando entrar o vento frio das manhãs de inverno e voltando a ficar imóvel, como uma lebre que se sabe espreitada, acompanhava a poeira descer lentamente pelo ar. Escorou-se na porta do apartamento procurando ouvir alguma movimentação, e quando surpreendida por duas sombras visíveis na luz que vazava por debaixo da porta segurou o fôlego. Ouviu baterem enquanto subia até a ponta dos dedos, dando maior altura ao salto alto; era a mesma menina a espreita na porta de seu quarto esperando que sua mãe passasse com a ternura aveludada de um silencioso existir, para rumar ao banheiro sem que ninguém a visse.
Quando finalmente desistiram de acorda-la esperou ouvir o som do elevador subindo e a porta se fechando. Ascultou mais um momento, nada, era sua vez; saiu ao corredor com a dignidade de pegar as escadas vazias, entretanto no segundo lance percebeu que alguém descia com pressa atrás de si, desembocou no corredor e pegou o elevador, hesitou, ouviu a conversa de um grupo que esperava o elevador no andar abaixo, já deveriam tê-lo chamado inclusive. Segurou a porta a tempo e saiu para o corredor vazio.
Apalpou a bolsa na procura de sua carteira de cigarros e não achando considerou se não havia esquecido de fechar a porta. Subiu novamente pelas escadas e forçou a porta, ao ouvir o ruído da maçaneta vizinha meteu a mão na bolsa arrancou a chave presa no forro abriu a porta e trancou-se com uma euforia que lhe saltava ao pescoço. Ainda agitada liberou a chave do forro da bolsa. Enquanto buscava o maço de cigarros no chão da entrada percebeu a tomada, parou.
Afrouxou o lenço e ascendeu um cigarro dirigindo-se ao banheiro. Olhou-se no espelho com certa volúpia misteriosa exposta na face, abriu a torneira encarou a água que corria; de repente assaltou-lhe um pânico imenso que mal lhe permitiu arrastar-se até a cama e cobrir-se. Caiu no sono sem lembrar de descobrir os pés.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ela, sempre Ela!

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.

I

É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.


III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?

VI

Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães

E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga

Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:

Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás.

VIII

Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus

Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora

E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes

Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta

Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.


IX

“Conta-se que havia na China uma mulher
belíssima que enlouquecia de amor todos
os homens. Mas certa vez caiu nas
profundezas de um lago e assustou os peixes.”



Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.


X

Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.


_Júbilomemórianoviciadodapaixão

amanhã veremos o dia passar nós dois

Neste momento úmido vejo um círculo fechado ser desferido pelo movimento do destino enquanto te procuro, vida minha.

Eis que vejo, alí, um piano suspenso no centro da sala vês?
Parece que preso assim de patas para cima ele simula quem sabe um desmaio.

Te procuro e já na segunda vez que olho para cima é rígido o equilíbrio, postura de pedra conjugando dentro de si toda uma rede de tensões na força de se saber pedra, potência. Aproximo do elefante de cauda negra abatido em pleno ar e percebo que sou eu quem convaleçe, que em minha carne grita o momento exato da pedrada na têmpora.
Sucumbo e no cair te vejo, e tu tendo me visto a perscrutar tua presença estende entre nós uma tapeçaria espessa; é um acre de terra vibrando no instante que separa minhas costas de tua fronte.

Minha alma te acena de longe.

O grande mamífero se deixa abrir e de suas víceras ecoa um acorde confuso e atabalhoado um grunhido que a todos inquieta, e nesse breve momento eu e tu dalí já fomos lançados num passado lamaçento, preso a milhões de convenções forjadas na necessária ignorância de definir, categorizar.

Eu me pergunto o que se passa, porque esse arroubo violento, porque esse desafinado alvoroço, porque tanto desejo repimido, porque esse toque frio, porque essa conversa esquiva e amena
e finalmente -
Para que tantas palavras quando um dia estivemos mudos os dois, a contemplar a luz que vinha de meus olhos encontrar o silêncio dos teus, e não precisando de mais nada nos atingiamos de maneira tão certa e justa.

Vai fazer três anos em breve desejo meu, que fomos obrigados a contemplar esse lagro rio que se esgota, que confusos nos vimos os dois a debandar por caminhos escuros, promessas de que sabe um dia, acompanhando impunes a justa medida de nossos sexos ser despejada cada uma em sua urna velada.

E se eu te dissesse que é de terra esse jazigo amor meu, e sendo ele de terra já não pode ser mais um sepulcro e sim estiagem, falta de bençãos ou cuidados, paragem.

Que fizemos eu tu para atuar sobre tão torpe cenário forjando posturas e empostando nossas vozes, trancando nossos corpos e mascarando de nossos olhos a alegria de antes? Onde aquele suave remar desaguando no mar vasto onde a tua pele já não era tua e meu corpo já não era meu
onde o teu silêncio
onde meu canto
por que caminhos te perdeste vida minha?

domingo, 5 de setembro de 2010

eis que olhar já não era uma coisa aprendida e a medida que nos olhávamos a retina parecia mais pontiaguda, os braços meio que em alvoroço por horas pareciam querer desprender-se do corpo, mas não sabiam ao certo se desejavam abraça-lo ou correr espaldados por aquele centro de feriado. Era como se estar ali fosse fugir, sair correndo pelos corredores por onde uma luz tímida e ocre respingava dos vitrais, ou romper a rua e eriçar a cabeça em direção a garoa que escorregava por entre os prédios, abrir os braços e tocar com as pontas dos dedos toda extensão da rua. Mas era uma encruzinhada alí, traçada, óbvia, dura, um recesso pra esses dias quentes e secos, uma virada. Saí dalí entornando-me pelas esquinas enquanto o destino tracejava mais uma de suas rotas de fuga.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O mar demorou anos até chegar alí, no meio da cidade. Entretanto, assim que chegou secou e foi chover eu outro lugar, deixando encrustado nas ruas, postes, vitrines e casas umas especies de grutas de sal

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Fit São José do Rio Preto

Tenho essa sensação de que estou sempre me aproximando do teatro, com isso minhas experiências cotidianas têm adquirido o constrangimento daqueles momentos em que reencontramos alguém conhecido mas que não nos recordamos ao certo de onde, como, ou quando. Esse estranhamento me tem assaltado o caminho freqüentemente, e recentemente de maneira bastante significativa com a participação no Festival Internacional de São José do Rio Preto.
A quadragésima primeira edição do festival que apenas a dez anos passou a abarcar a produção mundial propôs nesse ano uma curadoria voltada para noções como alteridade, conquista de singularidades, criação experimental, maneiras distintas de comunicação, novos modos de subjetivação, e investidas processuais de anseios nem sempre super elaborados, mas que manifestem inquietação e inconformismo.
Entretanto, essa curiosidade toda não pretende renegar mestres do passado ou colocar na plateleira noções chaves do trabalho do ator, mas simplesmente questiona-las, mistura-las a essa sensação de vida enquanto experiência estilhaçada. Mais como para quando a razão se confunde com a loucura e a poesia se esfrega, sua, sangra e ri.
Há uma espécie de requinte estético em jogo quando se busca a alteridade teatral, um risco assumido que reflete momentos particulares de exposição de conceitos, de modos de lidar com ato em si. Dentro dessa proposta pude presenciar três espetáculos que propuseram maneiras distintas de apresentar sentimentos ou idéias; o primeiro espetáculo que vi foi "Las Julietas" do Uruguai, dirigido e escrito por Marianella Morena juntamente com quatro atores.
O espetáculo coloca o grupo de atores em conflito com o texto "Romeu e Julieta" de Willian Shakespeare e a nostalgia do homem uruguaio a partir da copa do mundo de 1950. A cena evoca uma naturalidade livre das amarras convencionais através da fluição de um diálogo que mais parece representar um grupo de amigos/atores de meia idade; a cena parece envolta de um certo sentimento característico da população uruguaia que nos escapa, mas que o humor acaba por aproximar.
Na seqüência consegui ver os americanos do New York City Players com "Ode ao homem se ajoelha". A peça revisita o Western e, diferentemente dos uruguaios, o sentimento de nostalgia não suscita a face risível de uma nação, mas certo ceticismo frio de uma civilização seca de espiritualidade. A peça se arrasta através de uma narrativa e diálogos monocórdicos, onde os atores não são estimulados pela cena, mas mais parecem imagens esmaecidas de um presente/passado sem latência. Vê-se uma inexpressividade terrível que assola a platéia com uma imobilidade impactante, então se escutam soar diversas canções em estilo country e a vida parece continuar lentamente.
Em contrapartida a essa abordagem fria da cena o grupo espanhol Kamchatka trouxe a poesia para as ruas de uma maneira extremamente espontânea, suscitando na relação com público uma participação que de nenhuma maneira caiu no piegas. Quinze pessoas chegaram em um pequeno distrito por uma rua de acesso principal, se achegaram silenciosos com aquele olhar ingênuo do clown e uma mala na mão, e lá estiveram durante noventa minutos a explorar um pouco da vida do público. Despediram-se várias vezes mas nunca partiam, distraíram-se com um vizinho a olhar a rua, beberam com alguns senhores num boteco de esquina, namoraram, abraçaram-se e partiram murmurando uma cantiga antiga carregada de afeição.
Para mim ficou um pouco mais clara a idéia de acontecimento, de processo contínuo onde um espetáculo torna-se apenas uma abordagem do momento presente, e o que se faz viver é uma realidade compartilhada em determinadas noções cuja simples inversão de olhar poderia destruir a linguagem que nasce. Estes três espetáculos ressaltaram a idéia de caminho presente no trabalho do ator, uma necessidade de refletir essa instabilidade que é a vida real de uma maneira que não visa comunicar alguma coisa, mas contemplar, participar, interferir, deixar-se levar.
A velha questão sobre o momento de agir ou deixar o tempo dar a medida das coisas mostrou-se palpável e as escolhas se tornaram potência, enquanto a realidade ia sendo permeada por diversos possíveis "fazer teatro" pareceu algo mais leve. As dificuldades de produção parece que foram superadas naquela semana, e o ar ganhou uma textura agradável de mistério que a arte têm; E fica desde agora a vontade de que apareçam mais festivais.

OSrM

_correspondência para o Palco de Papel - Jornal do Palco Fora do Eixo

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dez anos de sobe e desce com a Cia Elevador de Teatro Panorâmico

Marcelo Lazaratto é professor do curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e está a frente da direção da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico há dez anos.

PFE- Então Lazzaratto, você atua de maneira concisa em dois pólos de formação de artistas de teatro do estado de São Paulo e está também a frente de uma companhia de teatro independente há dez anos. Qual a diferença da produção dentro da academia e fora dela?
Marcelo - A academia hoje está muito parecida com o teatro de grupo de pesquisa, com os grupos de teatro que pesquisam a linguagem teatral. Pelo menos aqui em São Paulo muitos professores, da UNICAMP, da USP e UNESP, com quem eu tenho mais contato, são também diretores de grupos de teatro.
Muitos alunos que se formam nessas universidades tentam, pelo menos num primeiro momento, formar grupos de pesquisa a partir do que eles aprenderam na universidade. Investigando não somente a questão técnica, mas também a dinâmica, a seleção de temas, as abordagens; também, obviamente, as pessoas se afinam por questões estéticas e optam por pesquisar tais e tais aspectos.
Então, nesse sentido não há tanta diferença da produção teatral na universidade e no teatro de pesquisa fora dela, é quase que uma extensão direta. Por outro lado, é claro que não é só esse tipo de direção que eu faço fora da academia. Sim, eu tenho um grupo de pesquisa que é a Cia. Elevador, mas de vez em quando sou convidado para dirigir espetáculos aqui e acolá, onde a questão da pesquisa não é o foco central mas de alguma foma ela ali também se estabelece.
No meu fazer eu procuro, procuro não, acabo imprimindo o “meu olhar” nesses trabalhos, mesmo que sejam por dois meses, um mês de ensaio. Se eu topei fazer aquele trabalho é porque alguma coisa ali me interessa. Então, acaba também sendo a minha pesquisa, só que obviamente sem o tempo de maturação que um grupo de pesquisa pode ter, pois um grupo de pesquisa se desenvolve ao longo do tempo, o tempo é fator fundamental em qualquer pesquisa que procure detectar suas variáveis.
Por exemplo, o ano passado encenei “A Tragédia de Romeu e Julieta”, onde eu estava de corpo e alma, durante dois meses fiquei trabalhando todas as escolhas, os encaminhamentos, os recortes; a minha visão dessa obra. Eu acreditava naquilo mesmo. Não fiz concessões do tipo, estou trabalhando dessa forma, sem o devido tempo, então estou deixando de fazer "aquilo" para fazer "isso". Lógico que nem sempre você consegue fazer assim, mas com o envolvimento absoluto do grupo de atores que eu tinha tive a felicidade de realizar um ótimo trabalho.
PFE - Então existe uma margem de referencialização oriunda de seu próprio trabalho, da sua formação, para dar uma abordagem que acaba sendo um olhar pessoal sobre a obra?
Marcelo - Acho que isso sempre acontece, é impossível não acontecer, pois se você olha uma coisa você olha com seu olhos; então de maneira genérica sim. Por outro lado eu não sou um diretor que procura imprimir na obra uma verdade apriorística; o que eu aprendi ao longo dos anos de prática e reflexão é que a obra me conduz. Na verdade é uma via de mão dupla, eu conduzo a obra e a obra me conduz, e aí aos poucos a gente vai chegando num denominador comum, vai encontrando unidade, melhor, vai descobrindo a nossa singularidade.
Porque eu não leio uma peça e penso vou me apoiar na técnica farsesca, porque estou em um momento em que estou trabalhando com a farsa então tudo que eu olho agora é farsa; eu não acredito muito nisso. Eu não acredito muito em trabalhos de pesquisa que mergulham em uma única maneira de processar. A médio prazo tende a ficar limitado, você pode ter um trabalho espetacular, dois, três, mas chega um momento em que vira "o mesmo". Mais um do mesmo. Então eu opto pela diversidade, cada obra nasce com sua “cara”.
Se você pegar as minhas direções elas são bem diferentes umas das outras; elas tem uma cara, sim, acredito que já adquiri alguma personalidade, mas não é uma cara determinada arbitrariamente ou por um mesmo tipo de procedimento técnico-estético.
Acho que isso advém um pouco do "Campo de Visão".
O "Campo de Visão" é sistema improvisacional muito simples que eu considero um achado. É um grande guarda chuva que contempla tudo, todos os desejos, todas as técnicas, todos os olhares; o ator quando está lá pode fazer o que ele quiser, experimentar o que ele quiser, ali ele pode jogar com o outro e ir se redimensionando sem perceber, e esse tipo de processamento sensivel e criativo acaba indo para a cena, interferindo positivamente em meu trabalho como diretor.
Eu sou completamente dependente dos atores. Como a minha primeira formação é de ator, eu acho que eu entendo um pouco o tempo deles, eu entendo o quanto eles podem me oferecer e em que tempo. Tem a minha ansiedade, é claro, de querer resolver as coisas, mas o Campo de Visão me ensinou que as coisas vão se resolvendo através da “dinâmica de afetos” que ele promove.

PFE - O Campo de Visão é um sistema que você desenvolveu junto com a Cia. Elevador?
Marcelo - Ele se verticalizou com o "Elevador". Eu trabalho com o "Campo de Visão" desde 1990. Eu comecei a utilizá-lo em minhas aulas porque quando eu entrava como ator no Campo de Visão gostava muito, me sentia absolutamente criativo e intensificado; e com o passar dos anos ele foi se desenvolvendo do meu jeito, fui descobrindo a cada dia sua potência, detectando os melhores procedimento de aplicação, e etc..
Em 2000 eu entrei no Mestrado pra sistematizar o "Campo de Visão" no mesmo ano em que eu estava formando a Cia. Elevador, por isso que ele se verticaliza quando a Compania aparece. Eu estava com a pesquisa vinculada ao mestrado e com a Cia sendo gestada, então nesses últimos dez anos mergulhamos em seu desenvolvimento.
Hoje os atores da Cia. Elevador dão aula de "Campo de Visão"…Tem muita gente que o utiliza por aí, mas sem o devido estudo , sem o tempo necessário de entendimento - fala dos cursos que ministrou e da simpatia que o sistema desperta nos atores, que leva os mesmos a reproduzirem - mas as pessoas que eu julgo hoje que podem disseminar com propriedade o que aqui se pesquisa, são os atores da Cia. Pois eles praticam e refletem sobre esse sistema improvisacional há dez anos.
PFE - Bem, ainda esse ano saí um livro sobre o sistema improvisacional "Campo de Visão". Você poderia adiantar para os leitores do Palco de Papel sobre o que se trata e qual o tipo de abordagem de criação?
Marcelo - O Campo de Visão é um exercício de improvisação muito simples, coral e coletivo, onde a primeira e única regra é: você só se movimenta quando algum movimento estiver no seu campo de visão. Tem a figura de um condutor, que conduz os trabalhos em um primeiro momento.
Então é um jogo de improvisação onde você, de saída, amplia seu repertório gestual e imagético, amplia sua percepção espacial, e potencializa outra forma de representação que não a contracenação, ou seja, independe do olho do outro. Característica que pode ser usada em alguns tipos de encenação.
O Campo de Visão tem duas fases: como exercício de ator que cabe a qualquer trabalho, como potencializador criativo e integrador, de maneira muito rápida e simples, e ele pode se manifestar também como linguagem cênica.
A Cia. fez um espetáculo de 2003 á 2007 ininterruptamente chamado "Amor de Improviso", que era a tentativa do Campo de Visão de fato se tornar uma linguagem. Posso te dizer que nos primeiros dois anos a gente se debatia internamente com essa linguagem improvisada, e também junto ao público a cada apresentação. Realizamos essa pesquisa aos olhos do público. Instauramos o que chamamos de “processo como obra”. Por isso em um primeiro momento a necessidade dos debates. Precisávamosmos saber como que aquela peça improvisada chegava ao público. Até que chegou um momento em que eu percebi que não precisava mais.
Muitas pessoas que assistiam a peça já achavam que não se tratava de improviso, tamanha era a força das escolhas dos atores naquele dia, e aquilo que acontecia somente naquele dia a platéia achava que era marcado. Quando eu percebi que chegou neste lugar, não precisava mais de debate.
Surgiu uma obra, e se o publico viesse a achar se era improvisada ou não a gente deixava pra "eles" resolverem. Se pelo fato de ser improvisado deixava mais interessante ou não a gente deixava também na mão deles. Nesse momento eu percebi que a gente tinha adquirido a linguagem do Campo de Visão. Ele realmente estruturava a encenaçnao sem perder suas caracteristicas improvisacionais.
O "Amor de improviso" volta esse ano na comemoração dos dez anos, e o Campo de Visão voltará forte no próximo espetáculo da Cia pra 2011, onde a gente vai trabalhar o Coro das tragedias gregas.
PFE - Você disse que era absolutamente improvisado, mas não haviam recorrências?
Marcelo - A peça tem apenas três coisas que os atores sabem e repetem diariamente: aquilo que "starta", uma música no meio da peça que avisa que chegou a hora de acontecer "tal" coisa, e o fim da peça quando acaba a luz. As três balizas.
O que a gente viu depois de muito fazer, é que a peça tem que durar entre cinqüenta minutos e uma hora e dez no máximo.
PFE- Então tem um tempo?
Marcelo - Para o acontecimento ficar um pouco mais justo, amarrado. Não é que não pode, a gente acabou optando por isso. Tanto que eu tive a idéia em 2005, mas nunca tive chance, ou nunca me empenhei absolutamente para isso acontecer… mas eu acho que o "Amor de improviso" é uma peca que tem que estar em bienal de arte.
A minha idéia era fazer o espetáculo na Bienal de São Paulo todos os dias ininterruptamente, transcender a questão conceitual do teatro, porque essa peça rompe com as fronteiras entre o teatro, a dança e a performance; abrir a exposição e já estar acontecendo. Eu precisaria de mais elenco, uns trinta, quarenta atores para revezamento, enfim, quem sabe um dia esse meu sonho se realize…
Mas ela em cartaz no teatro convencional tem essa duração. Não foi uma determinação mas um percepção dos atores, do corpo dos atores, da minha condução, da percepção do público… nós fomos entendendo.
PFE- Então automaticamente eles vão finalizando?
Marcelo - É, vai-se vendo que está chegando lá, fica nítido, e se está chegando lá, chegou, não precisa esgarçar.
PFE - Como é manter uma Compania por tanto tempo, é uma resistência?
Marcelo - É uma resistência, sim. Tudo se baseia em respeito, confiança e admiração. Pra trabalhar tenho que respeitar os limites, preciso confiar naquilo que você e eu nos propomos a fazer, e eu preciso admirar seu trabalho e você o meu. Se não tiver essas três palavrinhas alguma coisa está errada.
É por aí que entra a questão do afeto, um grupo de teatro que fica muito tempo junto desenvolve esse fator, e a característica afeto é muito importante. Se você não tem afeição por alguém, acaba adquirindo ao longo dos anos… mas também a afeição pode ser um problema, você pode acabar “perdoando” demais muitas falhas.
Fala sobre a difícil tarefa de gerenciar os afetos, do amadurecimento individual de cada um, o fator de substentabilidade financeira, as escolhas pessoais de empregos e formação de família, e também da sua primeira experiência com uma companhia ainda em atividade chamada Razões Inversas.
A Cia. Elevador optou por correr riscos que definem o por quê de estarmos aqui hoje. Chega um ponto que o grupo de pesquisa tem que ousar e não só esteticamente, que eu acho que nem precisa mais desse tipo de ousadia hoje em dia, ousadia é conseguir realizar aquilo que acredita. Falo de ousar em uma questão em que a gente não tem domínio, como na primeira peça da Cia inspirado em conto do Saramago (A Ilha Desconhecida) que foi montada em três semanas. Foi uma peça que já nasceu feliz.
Pegamos uma temporada em um teatro popular sem gastos, a casa começou a ficar boa e o primeiro risco que a gente cometeu foi alugar um teatro privado. Esse risco financeiro foi fundamental para que a Cia. Elevador continuasse existindo até hoje, pois a peça não só continuou em outro teatro como foi muito bem recebida; e todo o dinheiro arrecadado de bilheteria serviu de caixa pra fazer " A hora em que não sabíamos nada uns dos outros" em 2002.
E essa peça foi que nos impulsionou, nos deu visibilidade perante à intelectualidade e à crítica nacional, e que nos apontou as bases de nossa pesquisa, o tipo de teatro que faríamos.
Então… com a “Ilha Desconhecida” tinha um risco financeiro, que poderia fazer com que nos déssemos mal, poderíamos “fechar as portas” ali. Mas tem que arriscar, não dá pra se acovardar frente a esse mundo que nos é tão ameaçador.
Depois de um tempo foi fundamental também ter um espaço. Então, esse foi o outro risco: sem nenhum dinheiro ou incentivo, arrumar um espaço de ensaios, de convívio, que é o galpão que a gente tem até hoje, um espaço com chance de virar um pequeno teatro. Arriscamos, e depois de alguns meses veio nosso primeiro “Fomento”, que foi ótimo pois a gente pode se entender como um grupo em uma casa, o que é outra coisa! Pois com a casa a gente alcança a dimensão da intimidade que nos atravessa, o dia a dia, a rotina de fato acontece.
A dimensão intima, o que é profundo como diz Bachelard, aparece; sem a casa fica esquisito, com a casa aparece. E, é claro, com todos os problemas de uma casa, ter que administrar uma casa (enumera inúmeros problemas hidráulicos, elétricos e de locação enfrentados, e também os desejos e projeções pessoais em conflito), mas que também acabam oferecendo uma "cama" afetiva que fortalece a relação entre as pessoas.
O próximo passo, e que será dado ainda esse ano, é transformar nossa casa em um espaço não só de produção, mas também de propagação de cultura, abrir sua porta ao público; onde a gente possa fazer o que a gente quer e também abrir as portas para as pessoas entrarem, saírem e levarem o que bem entenderem dali. Para se tornar, através da troca, um manancial contínuo.
PFE - A programação comemorativas começou com o "A hora em que não sabíamos nada uns dos outros". Já falamos do livro sobre o sistema "Campo de Visão", e o que mais o público pode esperar da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico nesse ano?
Marcello - Duas re-montagens: volta ao cartaz "Amor de Improviso" que por ser improvisada na realidade é uma peça que não se ensaia, mas tem o fato de a gente "jogar" o "campo de visão" para que os corpos se sensibilizem novamente; e a re-montagem do " Eu estava em minha casa esperando que a chuva chegasse" do Jean Luc-Lagarçe, que é uma montagem só com mulheres.
Além disso estamos preparando para Outubro a estréia de "Do jeito que você gosta", de William Shakespeare inaugurando o Espaço Elevador. Sem dúvida um momento muito especial em nossa trajetória.

Obrigado Marcelo Lazaratto.

ps: para o jornal Palco de Papel do Macondo Coletivo.
me banho cheio de culpa perante as vestes que ainda não se entregaram ao sol,
ele coça a cabeça e agacha puxando as tiras dos sapatos.
Aquela pele de monsto, o cherio a me dar um reboliço no estômago.

Me espaldo no parapito de teus braços e é vertiginoso o embate
as saliências reptícias das tuas pernas, porque essa magraza tão exata a minha sede
se são terríveis as curvas a molhar teu ventre expaldado (?).

é bruto meu sexo, pedra raiz meio curva, centenária bica a verter o tempo;
e não vinhas tu mais a retirar de mim as águas porque?
até quando esse dar-lhe de beber assim a distância?

Que cólera bruta quando minha pele encontra a tua e verde se faz a memória;
entesado no caminho a paragem não se faz descanso pois é larga a vista,
poente esgaçado este do teu remanso

sobe agora amor e organiza a casa
banha tua alma triste e cansada
espera, que ainda chegarei com a vida.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Te sabia justo, ali, a estudar a métrica das palavras
te sabia sonoro curvo em teu silêncio encrespando as horas
te sabia latente em me saber ali sabendo que te via

Já não eram horas de sono estas a estar te vendo
e velado já via tua postura de pedra, calciginada
te via impenetrável mesmo sob as frestas
não corria alí mais nada e te sabendo assim estacionei na vista
e o que via já não juntava

Sabia que te ver era isto, uma passagem por entre os trincos do passado
certa ferrugem impregnada que corroi tudo e mancha as vestes, um nó na madeira se fazendo mais escuro
um saber poeirento de ver não mais que a vista de um coxo distante em meio ao campo

e eu como vaca a ruminar o tempo

e mesmo te vendo e sabendo, ali já eu não estava
e minha lingua bovina já não salivava para acordar o estômago,
a fome não se sabia sedenta ao saber tal vista

Que sabia eu de saber te ver como via
que sombra contrangida me serviu de paragem e descanso
que trote é esse em estar parado te vendo?

e dalí não saía pois mesmo sabendo te ver assim não sabia se te via.
eu esperava sim falei e fui configurando aquela cara de quem não foi pego no pinote e que ainda convence possuir certa inocência inesperada eu deveria era sair vivendo é perguntei e ele rasgou um canto de boca querendo dizer mas eu emergi em uma nuvem de inverno era pesado esse enlevo que cobria o pedaço de campo em que ele apoiado sobre os dois pés falava que era sim um mundo que aquela palma quente segurando a coxa tremendo era um indício talvez isso eu podia acreditar mas sob um olhar mais de movimento não havia nada que se movia dele pra mim era agitado demais pra expressar o desenho que aquela nuvem fazia no céu azul daquela tarde de inverno é mais pesado eu pensei e disse enquando sentia o queixo enrigessendo essa pedra fechando a última porta por onde pudesse sair algo que de mim certamente escorreria antes de chegar nele uma umidade escorrida de azulejo que a gente seca seca e continua lá quando não pude mais ouvi-lo ou quando senti a tarde baça eu até hoje não sei desviei pelo barranco e sumi no meio do campo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Perdi as horas no dia em que fui flôr, brinquei de menino, cobri de lembranças os dedos enquanto acariciava as coxas num friccionar de levante, eram ordas inteiras a por em assalto minhas pernas, eram dedos de cravo estourados, vermelhiços e enervados quando por vezes sacudia sem destino o leçol amanhecido de meu corpo por sobre as vertigens dessa tarde cinza reluzida na prata da calamidade escondida de meu sono.
Eram cigarros atrás de cigarros drenando a ansiosa melancolia de minhas horas gastas em rosnar para o teto, em cobrir de espasmos as frestas e reverberar nas goteiras uma dança colérica, uns pés rasgados, uma saudade devota e um grosso escorrer por entre as frinchas. Ventura errática coibida na ânsia de poder um pouco, querer um pouco, amar um pouco, e tudo isso permanecendo na mesma posição de planta, alucinando móveis em desavença, titubiando nas clareiras devastadas de minhas idéias, roncando no chiar dos eletromésticos em perseguição. sem cor e ventando forte.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"A hora em que não sabíamos nada uns dos outros"

Abriu Galera!
De 8 a 18 no Parque da Luz.
Se liga e apareçam..... bjus e muita merda.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Festival Palco Fora do Eixo

Apresenta as atrações que farão parte do festival de teatro paralelo ao Festival de música independente Fora do Eixo. Atividades sediadas pela Oficina Cultural Oswald de Andrade:

terça-feira, 30 de março de 2010

Festival Palco Fora do Eixo

O festival Palco Fora do Eixo paralelo ao festival de música que acontecerá em Sampa entre os dias 6 e 11 de abril está com a programação fechada. Entre Workshops, espetáculos e intevenções a programação dá início a plataforma de teatro dentro do Circuíto Fora do Eixo. Se liga na atividade (clicando no título):

Macondo Coletivo em entrevista por Sr F

Entrevista com Atílio Alencar para o site do Sr F. Seco (Atílio) é integrante do Macondo Coletivo que agrega produtores culturais da região sul em prol da disseminação e produção de cultura independente além de fomento e troca de tecnologias de produção integrada.
(Clique no título que ele linka a notícia)

quarta-feira, 24 de março de 2010

A Cidade dos Desencontros

Ultimamente tenho tendido a considerar os possíveis enquanto material de potência produtiva, colocando assim em cheque o poder da criação.
Há dois anos ainda com os pés no pampa, onde o deslocamento geográfico quase sempre abarcava a mitológica "garganta do Diabo" - hoje delicadamente convertida em "Vale do menino Deus" - ouvi de um companheiro de trabalho que era quase impossível "criar" algo representativamente novo nos tempos de hoje. Foi neste ponto exato que comecei a questionar-me quanto ao sentido da palavra criação dentro do universo artístico.
Certamente o poder presente nessa palavra desperta um certo vanglorismo tóxico para quem busca se conceber sempre na medida da planificação, da rasura.
Mais tarde quando a possibilidade de fechar o ciclo "boquinha do monte", e a necessidade de irromper por novas paragens se manifestou, São Paulo rasgou o horizonte das possibilidades com a seguinte sentença:
"Sempre há abarrotamento de produção numa metrópole, entretanto há que fazer seu espaço"
Ao ouvir essa esperançosa lamúria não preveni minhas pernas para tanta peleja.
São Paulo nasceu a meus olhos com uma Avenida Paulista nem tão majestosa quanto o furor dos que por ali passavam; mas essa insatisfação pertinente não serviria em nada para incompreender a velocidade do tempo na capital Paulista, muito menos para dar suntuosidade as lanternas do primeiro bairro que desejei conhecer: Liberdade.
Considero a rotina o único material passível de traçar um caminho tenha ele o sentido que tiver, e dentro dessa perspectiva risonha o dia a dia na "cidade dos desencontros" ganha uma proporção espantosa. Há, aqui, a possibilidade de nascer e morrer com cem anos podendo almoçar sem repetir o mesmo restaurante, além de escolher entre aproximadamente mil e trezentas salas de cinema quando der vontade de ver um filme. Para quem procura um contato mais pessoal pode encontrar quase quatrocentos espetáculos de Teatro, Dança, Circo e performance sendo apresentados diariamente; sem falar nos eventos de música - eternamente populares - e nas exposições de arte.
Por falar nisso os paulistanos esperam ansiosamente a megaexposição de cento e setenta obras do consagrado artista da Pop Art Andy Warhol. Tamanha espera não é de se surpreender levando em conta a popularidade de Warhol, e ainda mais em se tratando de São Paulo, considerada por mim o centro Pop do Brasil.
Toda essa oferta gera uma demanda inimaginável, a não ser que você perceba que pode demorar semanas ou meses para conseguir rever um amigo, ou que você pegue um metrô lotado na famosa "hora do rush" (inconcebível para mim até então) na linha vermelha. Essa linha é responsável pela revitalizarão de inúmeras ferrovias esquecidas desde a queda da economia cafeeira, e proporciona também a incrível experiência de estar na estação da Sé na bendita hora em que nos sentimos "como gado a caminho do matadouro".
Entretanto esse trajeto concentra em si a região mais incrível da cidade a meu ver: o antigo Centro Novo, com seus prédios destacando a arquitetura e o abandono do período de ascensão do mercado econômico nacional. Definitivamente essa é a minha região preferida da cidade, que durante o dia parece não fechar com sua atual estética residencial, e que a partir da "hora mágica" recebe todos os seres da noite sejam eles carnais ou não.
A noite é uma coisa bastante controversa em São Paulo para que gosta da rua, principalmente depois da lei anti-fumo e do "Psiu" que pegou a Rua Augusta, e região, no exato momento em que ela passava por uma renovação; ressurgiram casas noturnas, a Praça Roosevelt configurando-se como o point dos artistas de teatro, o Bloco de rua Baixo-Augusta, e a famosa deambulação noturna que fez da região muito mais do que uma zona de prostituição.
Dizem por aqui que "praia de paulista" é shopping (lugares assustadores), entretanto a noite é certamente dos barzinhos e de um novo tipo de curtição cada vez mais popular entre os habitués noturnos: as festas em casa. Cada vez mais esse tipo de balada invade os salões de condôminos, apartamentos e casas, gerando inclusive festas semanais que circulam por diversos pontos da cidade.
Adjetivamente São Paulo é a meu ver a Cidade dos Desencontros, onde há muita gente querendo conhecer e ser conhecida, muito estresse, e muitos programas para relaxar e desestressar que acabam deixando as pessoas mais irritadas, seja pelo trânsito, pela chuva, pela poluição ou pela dificuldade de escolher entre tanta coisa para se fazer.
Frente a todo esse caos aparente a vida na cidade se organiza através da criação de pequenos guetos de resistência, e criam-se o grupo dos descolados e seus points, o dos atores, dos arquitetos, dos artistas plásticos, cinéfilos e assim por diante. E claro que há uma interação tremenda devido ao grande número de inadequados que insistem em circular por diversos pontos possíveis, convertendo a criação em algo a ver com aquele botãozinho ao lado do endereço eletrônico: atualização. O segredo da sobrevivência nesse clichê real chamado selva de pedra.



Correspondência para o jornal "Palco de papel" produzido pelo Macondo Coletivo de Santa Maria - RS. Para ver na integra se liga no link : http://palcoforadoeixo.blogspot.com/2010/03/palco-de-papel-1.html

sexta-feira, 12 de março de 2010

Palco Fora do Eixo

Há quem se pergunte sobre a origem das coisas sempre no sentido de elucidar um movimento primeiro; entretanto o velho dilema entre o ovo e galinha não garante o ovo frito de cada dia (ou a sobrecoxa). Aparte os iluminismos e deixando de lado os maneirismos existe um movimento de difusão dos meios de produção em jogo no momento, e ele se chama Circuito Fora do Eixo.
Originalmente concebido e fomentado por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul do país o movimento ganhou força e se encontra hoje - 2010 - expandido por 70 cidades do Brasil e 4 cidades latinoamericanas (Argentina, Bolívia e Uruguai). Pra quem pensa que se trata de uma revanche contra o circuito dito "dentro do eixo" acaba de "errar a mão", o movimento cresceu e hoje engloba diversos coletivos da América Latina que estão atrás da valorização, circulação e fomento de atividades artísticas e também o intercâmbio das tecnologias de produção.
Organizados, esses coletivos representam uma massa ardente na busca por reverberar - tanto nas grandes cidades quanto nos confins mais reconditos - a potência do trabalho integrado. O Circuito Fora do Eixo contempla hoje não somente festivais de música independente, como núcleos de produção Audiovisual, plástica, teatral e performática; encontrando em cada pessoa ou grupo um ponto parceiro capaz de viabilizar e aprimorar o movimento produtivo seja aonde ele se encontre.
A moeda é o trabalho e a força é a sede.
Em Abril a capital paulista ganha a sua edição do festival com aproximadamente dez casas noturnas sediando shows de bandas independentes, três dias de atividades teatrais, e ainda outras atividades relacionadaa as Artes visuais e audiovisuais.
Pra quem quiser conferir um pouco da história e a programação fica atento no portal:
http://www.foradoeixo.org.br/ver.php?Festival
E também se liga no Blog da produção teatral do Circuito:
http://www.palcoforadoeixo.blogspot.com/


Vem mais por aí!

"A hora em que não sabíamos nada uns dos outros"

Dia 8 de Abril estréia em São Paulo mais uma montagem do repertório de peças do autor Peter Handke. O dramaturgo austríaco notadamente conhecido por sua verve política libertária tornou-se internacionalmente conhecido em 1966 com sua primeira peca intitulada "Insulto ao público". De sua primeira peça até a "A hora em que não sabíamos nada uns dos outros"" em 1992, Handke traça uma linha transitória do poder da palavra ao poder da imagem, já com "Insulto.." o autor lançou um potente raio em direção ao conteúdo e forma representativa do tetro; questinando frente ao público, e verbalmente, a eficácia da potência do teatro. Peter acreditava, ao contrário de Ionesco, que a comunicação era tudo nas relações humanas, entretanto essa comunicação refletida em sua obra ganha caracteres imagéticos, sensíveis e corpéreos; como em uma de suas últimas obras (a Hora...), onde ele abre sua dramaturgia com a seguinte frase "Não revele o que viu permaneça na imagem".
Esse prefácio extraído do oráculo de Dodona ( o oráculo de Zeus) é o carro chefe de um espetáculo marcado pela construção dramatúrgica não construtivista, mas sim resultante da sobreposição de imagens simbólicas tanto no plano histórico quanto no quotidiano. Para Handke pela imagem passa a potência estarrecedora da comunicação e da comunhão, e é através dela que ele compõe uma dramaturgia onde a palavra dá lugar a ação, onde a imagem vale mais do que a especulação textual, narrativa e verbal.
"A hora em que não sabiamos nada uns dos outros" passa-se em uma praça, é nela que suas indicações de cena ganham a potência que faltam as palavras; e é em um ambiente público Paulistano que ela será realizada.
Entre os dias 8 e 18 de Abril de 2010 a Cia Elevador de Teatro Panorâmico estréia no Parque da Luz "A hora em que não sabíamos nada uns dos outros", este espetáculo será a abertura da programação comemorativa dos 10 anos do Grupo dirigido por Marcelo Lazzaratto. As apresentações serão realizadas de quinta a domingo e têm entrada franca, vale a pena ficar esperto e conferir a temporada de comemoração deste grupo que promete muita atividade ainda nesse ano.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

faz mais de mês que a rotina não é mais uma mão suave deslizando pela superfície úmida da pele; os dias arenosos se emaranham a alta madrugada e o sono é um objetivo incerto, potiagudo. Sinto como se a casa tivesse perdido suas janelas e há só uma porta solitária temperando pequeninos córregos onde o limo por horas é cinza e a água chega a criar uma nata transparente qual leite fervido. Se há vida nesse poço raso ela deve ser uma materia quase inerte, uma planta tosca confundida na oleosidade que escorre dos olhos com certos suvenires cultivados por senhoras gordas em tardes mormaçentas.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

a espera do degelo

alavancado por ânsias diversas e em uma irresolução constante, as coisas todas seres e deveres, conglomeram-se por sobre minhas têmporas. Respiro sofregamente e não encontro já nem prumo ou base, sustento levante que se dê nessa incauta passagem. Não me sinto em mim, nos outros projeto, mas não são mais que meros esbocos, traços, voltejos, pois se estou em alguma coisa ela é o caminho. Eterno partido lençando-se a frente e por sobre, arrastando por horas a fio os calcanhares vítreos, salinos; não há fronteira, palanque, conlúio que se pregue a meu corpo. Atenho-me de revesgueio, não me comprometo nem no último gole e a promessa irrompe embebida na impossibilidade latente. Areja o andejo noturno e as portas e janelas seguem abertas esperando o dia, o vento ronda furioso como o mar, tragando minha alma mais que meu corpo num vôo desncompensado e turbulento, e a aurora não avisa meu sono que tarda a chegar. Seria maré mansa ser líquido, mas petrifico, calcigeno de saída e não me diluio na via pois estalo como rochedo quebrado. Não tenho moral nem visgo, não dou liga; refluo no conlúio de ossos da carne fazendo cobre, metal milênios. Quem por ventura me oferece o seio não espera da volta mais que minha sede, e os tricados ferrolhos dos meus olhos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

sentido consolação

partido não se sabe se num walk to think ou num think to walk deparei-me com a faixa de pedestres da Av Paulista com a rua da Consolação. Talvez o rumo seria certo, menos por um bocejo bucólico e mais por confronto madrugado, mas mesmo com as coordenadas amontoadas o certo mesmo é que ali estava eu e ela.
Enquanto ansiava que ela se abrisse `a meu caminhar, o frescor do fim de semana ensolarado, as deambulações noturnas e o sol banhado proporcionaram um regozijo morno para meu estômago demasiado vazio. Muito passa despercebido no acaso superado previamente pela rotina ensurdecedora desta cidade, entretanto a proximidade de novos afetos e a réstia de novos rumos a brilhar fez da madrugada audível uma serpentina violenta a cortar o ar.
Alto e claro ofuscando-me os ouvidos nessa espera prestes a irromper consolção adentro estava o CD da Trupe Chá de Boldo. A prévia de "Bárbaro", primeiro CD da banda que será lançado em breve, traz o balanço de uma bandeira desfraldada em uma manhã rasgada, o desquilíbrio cadênciado e trôpego dos passos ébrios pelas esquinas e a audácia poética dos canalhas apaixonados.
Sem muita firula o bom humor explode em açucarados backin vocals e numa guitarra zombeteira com a pilantrisse do verão; os metais florescem numa balbúrdia pipocada de algazarra enquanto o vocal traz a pirraça frenética dessas festas de rua onde a alegia brota `as gargalhadas.
Pra quem quiser conferir uma prévia fica ligado no pré-carnaval do Studio SP, que o sinal abriu e meu bloco irrompe a equina da consolção cantando como quem resiste e resistindo como quem deseja.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

correria de águas

São trinta e cinco dias de chuva e quinze madrugadas colhidas, não se pode sorver mais o orvalho matutino e se entregar a umidade do sono já que os dias irrompem já encharcados ou por abarrotar. Da janela a vista é pouca e com ela a concreta sensação de uma cidade empoçada. Puxo a corda e já não há mais liquido algum, talvez a noite abra suas comportas e o sono abandonado quando expelido encha as paredes. Talvez, ainda, eu me veja a boiar no teto junto ao mofo acumulado, e escorrendo pelos azulejos da cozinha talvez dê tempo de beber da torneira como uma criança sedenta por voltar ao jogo.
Se fosse melancólica a chuva me traria um gosto meio amargo meio doce, e eu teria no estômago quem sabe um peixe. Mergulhado eu talvez encontrasse lembranças passadas, um caco de sorriso, um riso amassado; mas são especulações o que me proponho. Não preciso de estimulantes, já tenho muito gás a assolar-me o estômago e me reservo apenas alguns dormentes, umas vigas vigias, aberturas sôfregas, e quem sabe um cansaço guardado de quinze noites sem ver a lua em seu campo aberto a correr do dia.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Que sabem as ruas das curvas cá dentro?

erétil projeto

Deveras torto se me encobrem as vestes, roupagem rasa essa penugem que me erica a alvura das coxas. Se me tenho nú e colérico retorno a sanha desgarrada de meu potente galope risco. Gozo o estar presente e dissuadido das querências voltejantes dessa bodega, onde os tesos músculos escondem a violenta pulsação que o jeans amarra. Quero o entorno, anseio a rasura, arrebento os botões dessa couraça-peito, e coro a latência absorta de um gole a mais, um gozo a mais, um jeans a menos.
O fundo do copo é gasto, o boca do morto é quente, mas a minha própria carne falta um ato potente, um sonho presente de uivos e bestas, um desconto pressa ruidosa gravura que se me encobre o sono. É isso então o sono, uma gravura esboço, uma lasca, um projétil estilhaçado de minha rotina arrastada?
De certeza as árvores não sentem mais, não coram mais, não sonham o estar aqui de pau duro na luz diagonalizada que esse sol madrugado insiste em mostrar.

domingo, 24 de janeiro de 2010

o que me acompanha?

Absorto e tolo equaciono a chegada como quem desconhece o cálculo da partida. Ando, eu sei que ando. Mesmo que por horas dance e alhures me desenvolva em ritmo indefinido, sei que me movo.   Eles todos, e ainda outros que não vieram são todos movimento, e desde o eterno ontem que não reconheço a ossatura angulosa do crânio pendente a boca aberta.  Movem-me.  
A boca um fosso aberto a todo e qualquer delgado húmus,  rosso e largo se me tomam a língua sou todo crível porém indecifrável.
Que concha tosca se me encobre? que jorro grosso visgo se me cobre a ternura do corpo?
Não suo apenas quando me banho, e me encharca o ventre as caudalosas vias da noite por onde deambulo rouco de clamar calor. Que se me evaporassem os líquidos todos, não salda nem a salinidade dos ossos.
Parco, diluído, o entorno torna a agir sobre esse copo/corpo.
Pois se me arrancam as pernas continuo andando.