quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

correria de águas

São trinta e cinco dias de chuva e quinze madrugadas colhidas, não se pode sorver mais o orvalho matutino e se entregar a umidade do sono já que os dias irrompem já encharcados ou por abarrotar. Da janela a vista é pouca e com ela a concreta sensação de uma cidade empoçada. Puxo a corda e já não há mais liquido algum, talvez a noite abra suas comportas e o sono abandonado quando expelido encha as paredes. Talvez, ainda, eu me veja a boiar no teto junto ao mofo acumulado, e escorrendo pelos azulejos da cozinha talvez dê tempo de beber da torneira como uma criança sedenta por voltar ao jogo.
Se fosse melancólica a chuva me traria um gosto meio amargo meio doce, e eu teria no estômago quem sabe um peixe. Mergulhado eu talvez encontrasse lembranças passadas, um caco de sorriso, um riso amassado; mas são especulações o que me proponho. Não preciso de estimulantes, já tenho muito gás a assolar-me o estômago e me reservo apenas alguns dormentes, umas vigas vigias, aberturas sôfregas, e quem sabe um cansaço guardado de quinze noites sem ver a lua em seu campo aberto a correr do dia.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Que sabem as ruas das curvas cá dentro?

erétil projeto

Deveras torto se me encobrem as vestes, roupagem rasa essa penugem que me erica a alvura das coxas. Se me tenho nú e colérico retorno a sanha desgarrada de meu potente galope risco. Gozo o estar presente e dissuadido das querências voltejantes dessa bodega, onde os tesos músculos escondem a violenta pulsação que o jeans amarra. Quero o entorno, anseio a rasura, arrebento os botões dessa couraça-peito, e coro a latência absorta de um gole a mais, um gozo a mais, um jeans a menos.
O fundo do copo é gasto, o boca do morto é quente, mas a minha própria carne falta um ato potente, um sonho presente de uivos e bestas, um desconto pressa ruidosa gravura que se me encobre o sono. É isso então o sono, uma gravura esboço, uma lasca, um projétil estilhaçado de minha rotina arrastada?
De certeza as árvores não sentem mais, não coram mais, não sonham o estar aqui de pau duro na luz diagonalizada que esse sol madrugado insiste em mostrar.

domingo, 24 de janeiro de 2010

o que me acompanha?

Absorto e tolo equaciono a chegada como quem desconhece o cálculo da partida. Ando, eu sei que ando. Mesmo que por horas dance e alhures me desenvolva em ritmo indefinido, sei que me movo.   Eles todos, e ainda outros que não vieram são todos movimento, e desde o eterno ontem que não reconheço a ossatura angulosa do crânio pendente a boca aberta.  Movem-me.  
A boca um fosso aberto a todo e qualquer delgado húmus,  rosso e largo se me tomam a língua sou todo crível porém indecifrável.
Que concha tosca se me encobre? que jorro grosso visgo se me cobre a ternura do corpo?
Não suo apenas quando me banho, e me encharca o ventre as caudalosas vias da noite por onde deambulo rouco de clamar calor. Que se me evaporassem os líquidos todos, não salda nem a salinidade dos ossos.
Parco, diluído, o entorno torna a agir sobre esse copo/corpo.
Pois se me arrancam as pernas continuo andando.