terça-feira, 28 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ela, sempre Ela!

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.

I

É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.


III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?

VI

Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães

E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga

Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:

Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás.

VIII

Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus

Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora

E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes

Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta

Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.


IX

“Conta-se que havia na China uma mulher
belíssima que enlouquecia de amor todos
os homens. Mas certa vez caiu nas
profundezas de um lago e assustou os peixes.”



Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.


X

Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.


_Júbilomemórianoviciadodapaixão

amanhã veremos o dia passar nós dois

Neste momento úmido vejo um círculo fechado ser desferido pelo movimento do destino enquanto te procuro, vida minha.

Eis que vejo, alí, um piano suspenso no centro da sala vês?
Parece que preso assim de patas para cima ele simula quem sabe um desmaio.

Te procuro e já na segunda vez que olho para cima é rígido o equilíbrio, postura de pedra conjugando dentro de si toda uma rede de tensões na força de se saber pedra, potência. Aproximo do elefante de cauda negra abatido em pleno ar e percebo que sou eu quem convaleçe, que em minha carne grita o momento exato da pedrada na têmpora.
Sucumbo e no cair te vejo, e tu tendo me visto a perscrutar tua presença estende entre nós uma tapeçaria espessa; é um acre de terra vibrando no instante que separa minhas costas de tua fronte.

Minha alma te acena de longe.

O grande mamífero se deixa abrir e de suas víceras ecoa um acorde confuso e atabalhoado um grunhido que a todos inquieta, e nesse breve momento eu e tu dalí já fomos lançados num passado lamaçento, preso a milhões de convenções forjadas na necessária ignorância de definir, categorizar.

Eu me pergunto o que se passa, porque esse arroubo violento, porque esse desafinado alvoroço, porque tanto desejo repimido, porque esse toque frio, porque essa conversa esquiva e amena
e finalmente -
Para que tantas palavras quando um dia estivemos mudos os dois, a contemplar a luz que vinha de meus olhos encontrar o silêncio dos teus, e não precisando de mais nada nos atingiamos de maneira tão certa e justa.

Vai fazer três anos em breve desejo meu, que fomos obrigados a contemplar esse lagro rio que se esgota, que confusos nos vimos os dois a debandar por caminhos escuros, promessas de que sabe um dia, acompanhando impunes a justa medida de nossos sexos ser despejada cada uma em sua urna velada.

E se eu te dissesse que é de terra esse jazigo amor meu, e sendo ele de terra já não pode ser mais um sepulcro e sim estiagem, falta de bençãos ou cuidados, paragem.

Que fizemos eu tu para atuar sobre tão torpe cenário forjando posturas e empostando nossas vozes, trancando nossos corpos e mascarando de nossos olhos a alegria de antes? Onde aquele suave remar desaguando no mar vasto onde a tua pele já não era tua e meu corpo já não era meu
onde o teu silêncio
onde meu canto
por que caminhos te perdeste vida minha?

domingo, 5 de setembro de 2010

eis que olhar já não era uma coisa aprendida e a medida que nos olhávamos a retina parecia mais pontiaguda, os braços meio que em alvoroço por horas pareciam querer desprender-se do corpo, mas não sabiam ao certo se desejavam abraça-lo ou correr espaldados por aquele centro de feriado. Era como se estar ali fosse fugir, sair correndo pelos corredores por onde uma luz tímida e ocre respingava dos vitrais, ou romper a rua e eriçar a cabeça em direção a garoa que escorregava por entre os prédios, abrir os braços e tocar com as pontas dos dedos toda extensão da rua. Mas era uma encruzinhada alí, traçada, óbvia, dura, um recesso pra esses dias quentes e secos, uma virada. Saí dalí entornando-me pelas esquinas enquanto o destino tracejava mais uma de suas rotas de fuga.