quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

as panelas cessaram seu canto

Viu-se defronte ao silêncio. Deparou-se, alí, assim, com ausência de palavras. Sim, foi na falta delas que redescobriu a tortura de saber-se enredada em uma trama pela qual não se imbricara. Enredar-se assim, sem ação, sem gesto, sem passo rumo ao tablado que insistia em mover-se, cena a cena. Era a deixa alí exposta pelo não dito, o acontecimento todo movendo-se, já feito, parido dessa suspensa falta de som, contaminado de muitos oleres também. Havia cheiro naquilo tudo. Não lhe consolava o sentir aquela bruma doçe, fruta mole de pendência a investigar suas narinas, enlaçando a concha da orelha num sussurrar cavernoso. Nessa dança, a palavra calada escorria por entre as reentrâncias minerais. A caixa se abre. Eis que surge - não clara e lustrosa como esperava, serfica curva de não findar-se em si, preciosa. Chupada a pedra toda secava, gruvinhava. Era agora pensamento, idéia robusta e forte se fazendo negra. Vingança.
Tinha acontecido é certo, o sucedido sucedeu-se, e ele alí, reclinado, escapando a luz da luminária trazia uma labareda esposta. As mãos ocres procurando grutas, aqueles fiapos outrora generosos a lhe adornar a nuca, servido de pente austero a cabeleiravolúpia não segurariam mais sua fúria de medusa. E que rosto branco. Mesmo o oliva nutrido de suas palpebras abandonara a vista, mergulhado quem sabe no óleo espesso que fundia sua cabeça com a parede as suas costas.
Era certeza, palavra que escapa de tão precisa, contundência em forma de vazio. Oco corroído de passado recente úmido ainda, quem sabe. Sim, era certeza, ele inteiro untado na forma do corpo dela. A outra. O que doía era largo, vasto horizonte na dobradura da pele ferína da puta. Eis que já tinha nome, a cadela.
O silêncio pendia do altar perdido, era agora dela as rendas todas, havia lhe roubado junto com ele o silêncio, fantasias, posturas, e todo aquele receber generoso que com ele apendera. Era agora isso, palavra cravada na madeira da sala, lâmina rasa atracada no poente da panela, barco sem vela e sem sopro, paragem em alto mar, palavra abandonada.