domingo, 6 de novembro de 2011

Feriado sem ti é todo dia

Matino o feriado qual domingo.
De tudo que fora é vida, dentro
restam os dias
adentramento
o arrastar o correntoso tempo.

Esse ladrar para as nuvens conversando contigo.

Se dissesses cataplasmos de luz
Era curta a via.
Referindo a ele o caminho
fez-se rouco o ronronar.
Augúria aguda luxúria.

Não tinha dito ainda.
O estupor da palavra agarrado a muralha dentada.
Repliquei na repicada resposta e ouvi
marulhos. Corpo tempestade
a colidir contra os batentes.

Matino o feriado qual domingo
Resfolego o dia sanfonando um grito.
Solidão é baião de uma só zabumba.

Seria o desejo cintilância
se por ventura um dia
tua carne de lembraça,
colada a minha,
repetisse na abertura
reentrância.
O canto da matutina cotovia.

Matina-me o feriado todos os dias.
É a luz a craquelar o corpo
insistentemente,
gorjeio de calamitosa euforia.

Perdura a fome.
Morte, secura, anfinetada tapeçaria.
O pó que alojado
opaca a prataria.

Feriado é todo dia
Manhã desalinhada.
Que futuro teria
tua existência calada frente o
úmido de minha humilde pedraria?
Feriado é constância e cama vazia.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

"Não, Não Digas Nada"

Não, não digas nada
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já.
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.
És melhor do que tu
Não digas nada, sê
Graça no corpo nú
Que invisível se vê
Não, não digas nada
Não, não digas nada


Secos & molhados

sábado, 1 de outubro de 2011

Sobriedade

Eu vi as trevas á sua volta
você estava de costas em dedicada atenção
enquanto eu sorvia algo quente
e eu vi a sua escuridão.

Não deixe que ela se retire
segure carinhosamente sua mão
espere um pouco, espere até todos irem embora
você não precisará olhar para trás para saber que eu estarei lá.

Eu prometo manter meus olhos fixos em você
não se preocupe em estar de contas pra mim
não há nenhum mal nisso
só espere todos eles irem embora.

Quando os últimos passos reverberarem na distância
continue de costas, de mãos dadas com sua escuridão
então eu lentamente descerei os degraus
você vai me ouvir chegando cada vez mais perto.

Escute meu ritmo com atenção
é importante que você permaneça imóvel o tempo todo
mantenha seus olhos quietos enquanto eu me uno a vocês dois.

Eu me sentarei a frente de você
e também segurarei sua escuridão pela mão
eu prometo nada dizer se você também assim o fizer.

Seremos então silêncio e permanência
a noite cairá a nossa volta
veremos cada espaço de luz que se esgota.

E nossos olhos não serão molhados nunca
Nunca teremos piedade um do outro
a escuridão estará sempre a nossa volta
mesmo quando nossos olhos se perderem pelo caminho.

Eu prometo nunca largar a mão dela se você também prometer
faremos dela nossa companheira
seremos com ela sempre amáveis
diremos a ela que nunca nos abandone
seremos sóbrios nessa decisão.

Pois eu vi a sua escuridão
e nunca mais me desvencilhei dela.

http://www.youtube.com/watch?v=h04I5MtuOMw&feature=related

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Capítulo 7 - O Jôgo da Amarelinha - Julio Cortázar

" Toco sua boca, com um dedo toco o contôrno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre tôdas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha.
Me olhas, de perto me olhas, cada vez mais perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam entre si, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam dèbilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua entre os dentes, brincando nas suas cavernas onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água."

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Conteção e rebuliço sob a mesma constelação ou Se fosse paragem seria bênção pagã

Eu agora entendo porque saiu enevoada a manhã.
Enquanto o sol fazia suas aparições fugidias, vez por outra, um rio de luz iluminava a quietude de tuas pernas. Eu alí, dentro do rebuliço, pensei na tua contenção particular,nessa postura perdigueira que te possui. Como aquela ave desconhecida que em vôo alto, com asas sempre abertas, desfere círculos inacabados na amplidão plana do céu. Quem sabe me engano e não eram de plumas tuas asas, mas frias hélices a desenhar círculos fechados em si mesmo.
Por um instante pensei que aqueles raios escassos pudessem te converter em pedra. Quem sabe então, eu, Medusa enfurecida, gritaria bem alto conclamando os deuses urbanos que habitam esta sala. Convocaria e conjuraria com eles meus planos secretos na ânsia de que, enfim, ambos reconhecêssemos a terra vermelha que nos tinge a sola dos pés.
Gritei pois meus pensamentos eram como víboras. Assim que expulsei todo ar que tinha dentro de mim tudo se dissipou. Permaneceram os fios de cabelo como os fios do destino, claros, ralos e finíssimos. Gritei para acabar com tua inércia, gritei para te pôr em sobressanto, para que finalmente aflija essa queimadura inaplacável que se tornou teu silêncio.
Mas dali, vinha nada.
Te digo, a postura perdigueira já não me converte mais em caça. Esse teu silêncio - latênte em demasia - não conspurcará mais minha selvageria trágica. Agora somos tu e eu a mesma constelação presa no céu. Os anos se afastam mas ainda assim existe a mesma forma estática a perdurar no tempo. Fica bem!
Eu entendo as quenturas por trás dessa pose de pedra.
Eu entendo as noites onde o sono é um eterno porvir.
Eu entendo a confiaça que depositas no amanhã, e que isso te acalma e permite o entregar-se a paisagem onírica que te é cara.
Eu entendo as manhãs onde a alegria é um rio que escorre manso.
Eu entendo os olhos aflitos.
Eu entendo o peixe a bolir no estômago.
Eu te entendo, e entendendo me reconheço entendido em ti.
Não te dirigirei mais a benção que de meus olhos brota quando te sinto perto. Amanhã serei pedra também, cão de caça a se saber na espreita, de mim só terás silêncio, silêncio e benevolência. Pois eu entendo dos contratos pagãos que fazemos diariamente com nós mesmos, sei da seriedade de nossos ritos solitários, sei teus dias e tuas noites, pois a força que aquela constelação emana não é fácil de se carregar. E disso sei.
Entendo o que sei agora e já nos entendo.
Perdoa-me se falo nós como alguém que junta em um, com isso nada formo e nada crio. É que as coisas distantes e sem interação aparente, por mais que a visão não dê conta, a mim sempre pareceram colidir no campo.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Assusta não!

Esse espaço de luz que existe em mim
Esse cômodo amplo e ensolarado que os outros visitam
É de recato e ilusão esse quarto
Nele danço gentileza e elegância.

- porte de gazela olho de leoa -

Não há nessa luz mais que a moleza leve de minhas cadeiras
Meus pés frouxos a rebolar melodias recônditas.

Mas se o acaso porventura vier em forma de nuvem
bandida
irromper a luz dessa sala
Cuida esse algo que salta o ar para nunca mais pousar
Revoada de sombra parada no ar a estancar as coisas e o dia.
Assusta não!
É de crueza e realidade mas como tudo que sobressalta
ressalta e conta um tempo.
Esperar pode ser demasiado prematuro nessas horas.
Assiste o que incorpora e tinge as paredes com disciplina
pois é assim que os espaços se dão
- e são tantos ultimamente -
E o tempo nessas horas não diz nada.
Melhor é manter os olhos no chão e perder-se nesse jogo
Permanecendo os dois, parquê e tu, pequenos inertes na espera de ser reconhecido por aquele que olha.
Quem sabe esse recorte preencha a latênciabeija-flor que desposou teus pensamentos.

Quisera eu!

Acorda não! Segue em paz.
Espaços estão para serem habitados
nos momentos de sombra é que se revelam
e não custa nada deixar esse cômodo soprar para dentro de nossos pulmões.
Por mais que na hora penses que esse suspiro vem de ti.
Deixa-te apreender por esses segundos de não dizer
Permite a luz sua virtude de esmaecência, e se preferir esmaece também
Que nem só de horas claras se fazem nossos dividendos
São também de sal e penúmbra os espaços que circundam o farol.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Era para sermos livres um dia ou A marcha da liberdade em São Paulo

O peso da auto-crítica que dirijo a mim mesmo, a acovadante idéia de me preocupar com o que os outros pensam sobre mim (sim, eu ainda penso), a merda do sentimento de culpa de não estar fazendo nada para melhorar minha relação com meus pais - como se houvesse algo que eu pudesse fazer, a necessidade que "meus amigos" tem de que eu me assuma sexualmente, afetivamente, artisticamente, profissionalmente, moralmente - mesmo eu não sentindo necessidade, os "vai tomar no cú" implicito a cada bom dia! Como você está? Tem passado bem? Ah, que pena! Mas tudo vai ficar bem, não se preocupa! Tudo isso e mais um monte de merda também é a vida.
Atualmente estou focado em apenas uma coisa: Como perder a ingenuidade sem preder a ternura. Como manter-me aberto e ainda assim saber como lidar com os babacas de plantão, os ignorantes por opção, os passivos agressivos, os com complexo de mártir, os que precisam maltratar o outro pra não se sentir vunerável pois defecariam em público se perdessem a chance de desfazer a roupa, o nariz, o cabelo, a bunda ou a barriga de alguém.
Afim de dar continuidade a maior certeza que já obtive em vida, de que tudo está em constante transformação, sábado fui a Marcha da Liberdade. Depois de muitas marchas terem rolado em São Paulo resolvi que iria conferir esta. Fiz meu cartazinho, modesto mas sincero. Escrevi: Estou farto da política de favores, abaixo a ética da conveniência. Achei que aquilo resumia bem o que eu estava pensando dessa merda toda que estamos vivendo.
O Brasil entrou no ano de 2011 com a primeira mulher eleita para a presidência, com uma política externa promissora, com sua moeda bem valorizada no mercado mundial, vai sediar uma copa do mundo e uma olimpíada nos próximos anos, descobriu uma puta reserva de petróleo, bombou o biocombustível, regulamentou a união homoafetiva e ainda assim consegue ser de um atraso sem tamanho e de uma conveniência para com a minoria dominante de dar asco.
Em seis meses vimos uma reforma no código florestal que prevê anistia a desmatadores e reduz o índice da área mínima de preservação. Sendo que quando isso estava sendo votado foram assassinados figuras importantes da defesa de manutenção do código florestal vigente. Assistimos nosso políticos aprovando uma hidroelétrica gigantesca que irá devastar a região do Xingú, sem nem ao menos tomar as medidas prévias contra o impacto ambiental, ou consultar os verdadeiros donos daquelas terras, os índios Caiapós. Presenciamos a criação de propostas para implementação de novas usinas nucleares no país, mesmo tendo acompanhado em tempo real o desastre no Japão e os italianos dançando em festa nas ruas após ter derrubado, em plebicito, a proposta de novas usinas nucleares. Sem falar da Islândia que está usando as redes sociais para que a população participe da reforma constitucional de seu país. Vimos a nossa presidente, na cara dura, barganhando com políticos evangélicos e com os partidos de oposição, a suspensão do kit de combate a homofobia que iria ser distribuído nas escolas, para que essas duas frentes do governo desistissem de convocar o ex-minístro Palocci a prestar esclarecimentos sobre o aumento surpreendente de seu capital em tão pouco tempo. Vimos a polícia civil usando armas contra cidadãos que foram as ruas reivindicar a regulamentação da maconha.
E ainda assim, indo para a Marcha da liberdade no dia 18 de junho, para marchar ao lado de inúmeras outras pessoas e interesses pelo simples fato de manter vivo nosso direito de participar da construção histórica e política de nosso país, deparo-me com uma quantidade ínfima, mas vigorosa, de pessoas dançando, cantando, conversando e escrevendo cartazes.
Não consigo expressar a repulsa que senti das pessoas que saíram as janelas para aplaudir e dos shoppings para sorrir, como se alí houvesse espaço para observadores. Vi as grades do Conjunto Nacional onde fica a maior livraria da cidade baixar as portas com medo de sabe-se lá o que. E vi a raiva e o despeso contido nos olhos e no sorriso de escárnio de cada PM ignorante pau mandado que escoltava a Marcha. E sabendo que esse simples acontecimento, inspirado nos jovens de corpo e de alma do mundo todo, tinha um propósito claro e simples - A luta pela manutenção da liberdade, deixei a marcha no meio do caminho para cumprir meu papel em uma montagem da peça "As you like it" de Shakespeare, para mais uma vez, agora no palco, expressar valores como liberdade, generosidade, natureza, amor e amizade.
Posso estar todo fodido pelos conceitos sociais e morais da sociedade e do tempo em que vivo, mas não vou deixar os que se vangloriam de terem lutando contra a ditadura ou impeachmado o Collor viverem até hoje de seus louros secos, com o gozo de achar que eles sim fizeram história, que eles sim é que sofreram, e que eles sim tem algo para falar - como se o pior já tivesse passado. Nem que eu tenha que ser um revolucionário de mim mesmo e resistir em pensamento.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Não existe mais morte no mundo. É tudo permanência, ploriferar de ditos e feitos. Não há mais tempo pra morte no mundo. É tudo tão novo e sempre mais novo que a velha senhora embotou, não veio. Nem se ouve mais o alarido remoto dos caixeiros viajantes de alma, não me aturdem mais com suas ladaínhas os comerciantes do agora. É tudo tão sôfrego. Tudo que é fresco se arrasta, o novo não estala mais de partida. Fagulha cansada de se saber jamais morta. A morte perdeou o tempo, saiu de feriado um dia desses para ver o horizonte e confabular com o marulho espumoso do mar e perdeu a hora. A morte descansa esquecida. A morte não quer mais labuta, abandonou os homens e se espreguiça ao sol quiçá em uma praia deserta. Dessas de cartão postal que ninguém conheçe mas todos supiram. A morte despreocupou e o homem, se julgando venturoso, dela não espera notícia nem retorno. A morte até cansou de ter os pés pra cima, na saída deixou a porta aberta e dela roubaram todos os pertences. A morte foi esquecida, rompeu com a lembrança e nem rastro de pesar deixou. A morte retirou-se.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

cedo ainda

É tão tarde já, era tão tarde já. Não. Foi tão tarde já e sempre será tão tarde. Já. Sempre esse final de tarde, esse entre quatro e seis. Nem quatro nem seis, mas esse entre. Esse cinco funâmbulo que passa e agente nem percebe o que vê. E esse final de chuva, um final de chuva ainda não findado, pingando ainda, arrastado, escorrido - momentos antes de estancar. Não duas horas como antes, duas horas estancando é tempo demais, um quarto disso, menos, menos que um quarto disso, mas que não chegue a ser um oitavo. Um oitavo não. Para compor, o sol naquele ângulo, aquele simulacro de luz de velas. Luz de velas para espaço aberto, não sei calcular, o suficiente, o tanto pra formar o claro daquele ângulo, ângulo pré-estanque, entre quatro e seis. Aquilo que ali sucede, aquela calma de nuvem a rendar o céu todinho. Rendamistério. Não fechada, renda frouxa, com fundo de espaço para o translúcido. Rendacabrocha, anca que ofereçe sem sem dar. Nuvemanca. Tramada ponto a ponto qual palavra. Tramada não que parece precoce, carente de força, necessitada de resguardo. Mais gingada, mais verônica, mais vestida de coragem, de ruge. Um pouco antes talvez, verdor ainda. É, talvez, parece sim precoce, mas sem horadez. A terra feito mar fazendo onda, tudo vibrando, morroonda prestes a quebrar. Precisão de pomba. Sem honradez denovo. Pomba, coisa sem glória, avejosé, indiferente mas alí, coisa que vive, que está. Vegetação nenhuma, não. Relvapele sim, nativa, coisa cerrada, dificultez de caminho, mas quente, próspera. Dia-a-dia afinco alí, antiga coisa, mas precoce também, é precoce.
Aquela hora clara em neve claro ainda o morro em onda precoce ainda. É precoce. Sem cálculo, primitivo ainda, precoce, sem visgo ou tenacidade, meio mole ainda, pedradeareia, farelento, falta de liga.
É, precoce de mais pra pintar.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Que eu me perca
Que sejam longas as noites, tudo isso
não espero. É decorrido,
já apropriado no correr
das horas, cotidiano,
previsto.

Agora que eu sofra e tu não,
isso é coisa maldita, grito
inaudito.
Perigo, registro perdido,
o mar a engolir as docas.

Era tudo isso e mais a lua a verter aos montes.

Corre agora, é
o que dizem, que tuas janelas
estão abertas.
Que o sol te visita.
Que notícia fingida,
se te imagino enlutada, o sol
batendo nas tábuas, e o rangir
da cadeira de balanço.

Mas tudo isso são ficções, relevo plano de rasura.

Levanto da cama
e deixo o poema. É na rua
que me sinto, e nela a vida
se encerra. Encontrada
a encruzilhada a coreografia
é certa.
Preciso o verbo, já se faz
dividida a conta.

Que tu sofras, que eu me quite.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu pensei. Esse tempo todo eu estive pensando, lembrando. Tentando visualizar o momento exato, encontrar a medida entre o facto e o decorrido. A pedra que dessa lama toda seja passível de ser lapidada.

Era densa a noite, quieta a vizinhança, imponente o morro.

Tua calma rasgada de homem se fazendo menino. Estatura, forma e preenchimento confundido. Eu queria escrever. Descrever. Tão modesto assim como a casa simples que habito: O parquê escancarando o tempo, a frequência com o que o sol visita a janela - a lua também, etérea, mudo solilóquio de saber-se olhada. E tantas outras coisas, porto meu, assim descritas a medida que vou passando os olhos, quem sabe perceber-te aqui, ao lado.
Era tudo um alvoroço, idéias mancas, turvidão de saber-se em galope e ainda assim inerte.
Quantas coisas meu desejo relembra sem saber espaço ou motivo, somente o tempo compondo sua dança, uma mão na nuca e outra no espaldo raso de teu abdômem. Quantas carícias guardadas, veladas dos olhos estrangeiros, do mundo lá fora.
Era teu, querido, todo o ardume, todo furor de fêmea, todas as coroegrafias do porvir. Teu olho qual fórceps estirpando minha agonia de adolecente apaixonado, um ouvir confidente; e toda lascívia a escorrer pelas márgens da distância forjada a luz do dia.
E que encontros nossos corpos remoendo a roupa de cama, enxoval de loucuras, conversa de anciãos contemplando o campo, molhando a saliva na pele, encontrando paragem no peito esquálido.
Era tudo isso que foi e mais um dia. Faltou um dia. A noite eu deixo para peranbularmos cada um na sua rua - ingreme encosta, derradeiro rolar para o cotidiano maçante. É uma tarde apenas, um quarto de hotel, uma lâmpada baça, cortinas cerradas, penubra e esboço nós dois a contemplar as paredes. Só mais uma tarde de silêncio a teu lado, e quem sabe assim eu consiga me apegar a mim. Saber-me respirando ainda depois de acelerada a batida.
Concedes-me uma tarde? uma dessas sujas, em que o sol abandonou os edifícios e esta cidade desencontrada chia e grita seu lamento de morte.
Dê, e quem sabe assim eu me receba, siga, podendo gargalhar do amor e sorrir para o impune. Uma tarde resguardada, apenas uma nessa tua vida de exílio.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"Como umas e outras, assim." Disse em tom resoluto, quase soluçado, como quem escapa. Ela pendeu um pouco a cabeça - tão seu aquele movimento que se lhe reconhecia em outra perdia a angulação, e tropeçava em si. Desferindu as últimas falas enquanto saia pela coxia. Algumas atrizes comportam-se assim, não satisfeitas com os brocados e a maquilagem - a nudez toda; saem espalhando cacos verborrágigos, agarrando-se as cortinas, quebrando um pouco mais o quadril. "É isso o irritável, o passível de figuração. Não como quando enclinas a cabeça". Era inútil sua tentativa de fazer com que ela, quem sabe assim - por associação de memóriapele, soubesse que dele nascera a cisão. E que nem ela, o ângulo, a luz ou a retina líquida
(precoce)
nem os recibos que acumulara na carteira esses anos todos. "Que o que se evita agora, nessa linha repentina, é o queixume. As lazarentas noites de silêncio ensudecedor, o cozinhar o dia, o requentar a noite".
As palavras se atropelavam, ele disse "fique aí". Foi isso? essa é a deixa? Um gole d'água mais uma troca de roupa, "Sobe o zíper pra mim querido", por favor.
O carro já está la fora.
"Faz a cena final por mim."