sábado, 22 de janeiro de 2011

Que eu me perca
Que sejam longas as noites, tudo isso
não espero. É decorrido,
já apropriado no correr
das horas, cotidiano,
previsto.

Agora que eu sofra e tu não,
isso é coisa maldita, grito
inaudito.
Perigo, registro perdido,
o mar a engolir as docas.

Era tudo isso e mais a lua a verter aos montes.

Corre agora, é
o que dizem, que tuas janelas
estão abertas.
Que o sol te visita.
Que notícia fingida,
se te imagino enlutada, o sol
batendo nas tábuas, e o rangir
da cadeira de balanço.

Mas tudo isso são ficções, relevo plano de rasura.

Levanto da cama
e deixo o poema. É na rua
que me sinto, e nela a vida
se encerra. Encontrada
a encruzilhada a coreografia
é certa.
Preciso o verbo, já se faz
dividida a conta.

Que tu sofras, que eu me quite.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu pensei. Esse tempo todo eu estive pensando, lembrando. Tentando visualizar o momento exato, encontrar a medida entre o facto e o decorrido. A pedra que dessa lama toda seja passível de ser lapidada.

Era densa a noite, quieta a vizinhança, imponente o morro.

Tua calma rasgada de homem se fazendo menino. Estatura, forma e preenchimento confundido. Eu queria escrever. Descrever. Tão modesto assim como a casa simples que habito: O parquê escancarando o tempo, a frequência com o que o sol visita a janela - a lua também, etérea, mudo solilóquio de saber-se olhada. E tantas outras coisas, porto meu, assim descritas a medida que vou passando os olhos, quem sabe perceber-te aqui, ao lado.
Era tudo um alvoroço, idéias mancas, turvidão de saber-se em galope e ainda assim inerte.
Quantas coisas meu desejo relembra sem saber espaço ou motivo, somente o tempo compondo sua dança, uma mão na nuca e outra no espaldo raso de teu abdômem. Quantas carícias guardadas, veladas dos olhos estrangeiros, do mundo lá fora.
Era teu, querido, todo o ardume, todo furor de fêmea, todas as coroegrafias do porvir. Teu olho qual fórceps estirpando minha agonia de adolecente apaixonado, um ouvir confidente; e toda lascívia a escorrer pelas márgens da distância forjada a luz do dia.
E que encontros nossos corpos remoendo a roupa de cama, enxoval de loucuras, conversa de anciãos contemplando o campo, molhando a saliva na pele, encontrando paragem no peito esquálido.
Era tudo isso que foi e mais um dia. Faltou um dia. A noite eu deixo para peranbularmos cada um na sua rua - ingreme encosta, derradeiro rolar para o cotidiano maçante. É uma tarde apenas, um quarto de hotel, uma lâmpada baça, cortinas cerradas, penubra e esboço nós dois a contemplar as paredes. Só mais uma tarde de silêncio a teu lado, e quem sabe assim eu consiga me apegar a mim. Saber-me respirando ainda depois de acelerada a batida.
Concedes-me uma tarde? uma dessas sujas, em que o sol abandonou os edifícios e esta cidade desencontrada chia e grita seu lamento de morte.
Dê, e quem sabe assim eu me receba, siga, podendo gargalhar do amor e sorrir para o impune. Uma tarde resguardada, apenas uma nessa tua vida de exílio.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"Como umas e outras, assim." Disse em tom resoluto, quase soluçado, como quem escapa. Ela pendeu um pouco a cabeça - tão seu aquele movimento que se lhe reconhecia em outra perdia a angulação, e tropeçava em si. Desferindu as últimas falas enquanto saia pela coxia. Algumas atrizes comportam-se assim, não satisfeitas com os brocados e a maquilagem - a nudez toda; saem espalhando cacos verborrágigos, agarrando-se as cortinas, quebrando um pouco mais o quadril. "É isso o irritável, o passível de figuração. Não como quando enclinas a cabeça". Era inútil sua tentativa de fazer com que ela, quem sabe assim - por associação de memóriapele, soubesse que dele nascera a cisão. E que nem ela, o ângulo, a luz ou a retina líquida
(precoce)
nem os recibos que acumulara na carteira esses anos todos. "Que o que se evita agora, nessa linha repentina, é o queixume. As lazarentas noites de silêncio ensudecedor, o cozinhar o dia, o requentar a noite".
As palavras se atropelavam, ele disse "fique aí". Foi isso? essa é a deixa? Um gole d'água mais uma troca de roupa, "Sobe o zíper pra mim querido", por favor.
O carro já está la fora.
"Faz a cena final por mim."