segunda-feira, 20 de junho de 2011

Era para sermos livres um dia ou A marcha da liberdade em São Paulo

O peso da auto-crítica que dirijo a mim mesmo, a acovadante idéia de me preocupar com o que os outros pensam sobre mim (sim, eu ainda penso), a merda do sentimento de culpa de não estar fazendo nada para melhorar minha relação com meus pais - como se houvesse algo que eu pudesse fazer, a necessidade que "meus amigos" tem de que eu me assuma sexualmente, afetivamente, artisticamente, profissionalmente, moralmente - mesmo eu não sentindo necessidade, os "vai tomar no cú" implicito a cada bom dia! Como você está? Tem passado bem? Ah, que pena! Mas tudo vai ficar bem, não se preocupa! Tudo isso e mais um monte de merda também é a vida.
Atualmente estou focado em apenas uma coisa: Como perder a ingenuidade sem preder a ternura. Como manter-me aberto e ainda assim saber como lidar com os babacas de plantão, os ignorantes por opção, os passivos agressivos, os com complexo de mártir, os que precisam maltratar o outro pra não se sentir vunerável pois defecariam em público se perdessem a chance de desfazer a roupa, o nariz, o cabelo, a bunda ou a barriga de alguém.
Afim de dar continuidade a maior certeza que já obtive em vida, de que tudo está em constante transformação, sábado fui a Marcha da Liberdade. Depois de muitas marchas terem rolado em São Paulo resolvi que iria conferir esta. Fiz meu cartazinho, modesto mas sincero. Escrevi: Estou farto da política de favores, abaixo a ética da conveniência. Achei que aquilo resumia bem o que eu estava pensando dessa merda toda que estamos vivendo.
O Brasil entrou no ano de 2011 com a primeira mulher eleita para a presidência, com uma política externa promissora, com sua moeda bem valorizada no mercado mundial, vai sediar uma copa do mundo e uma olimpíada nos próximos anos, descobriu uma puta reserva de petróleo, bombou o biocombustível, regulamentou a união homoafetiva e ainda assim consegue ser de um atraso sem tamanho e de uma conveniência para com a minoria dominante de dar asco.
Em seis meses vimos uma reforma no código florestal que prevê anistia a desmatadores e reduz o índice da área mínima de preservação. Sendo que quando isso estava sendo votado foram assassinados figuras importantes da defesa de manutenção do código florestal vigente. Assistimos nosso políticos aprovando uma hidroelétrica gigantesca que irá devastar a região do Xingú, sem nem ao menos tomar as medidas prévias contra o impacto ambiental, ou consultar os verdadeiros donos daquelas terras, os índios Caiapós. Presenciamos a criação de propostas para implementação de novas usinas nucleares no país, mesmo tendo acompanhado em tempo real o desastre no Japão e os italianos dançando em festa nas ruas após ter derrubado, em plebicito, a proposta de novas usinas nucleares. Sem falar da Islândia que está usando as redes sociais para que a população participe da reforma constitucional de seu país. Vimos a nossa presidente, na cara dura, barganhando com políticos evangélicos e com os partidos de oposição, a suspensão do kit de combate a homofobia que iria ser distribuído nas escolas, para que essas duas frentes do governo desistissem de convocar o ex-minístro Palocci a prestar esclarecimentos sobre o aumento surpreendente de seu capital em tão pouco tempo. Vimos a polícia civil usando armas contra cidadãos que foram as ruas reivindicar a regulamentação da maconha.
E ainda assim, indo para a Marcha da liberdade no dia 18 de junho, para marchar ao lado de inúmeras outras pessoas e interesses pelo simples fato de manter vivo nosso direito de participar da construção histórica e política de nosso país, deparo-me com uma quantidade ínfima, mas vigorosa, de pessoas dançando, cantando, conversando e escrevendo cartazes.
Não consigo expressar a repulsa que senti das pessoas que saíram as janelas para aplaudir e dos shoppings para sorrir, como se alí houvesse espaço para observadores. Vi as grades do Conjunto Nacional onde fica a maior livraria da cidade baixar as portas com medo de sabe-se lá o que. E vi a raiva e o despeso contido nos olhos e no sorriso de escárnio de cada PM ignorante pau mandado que escoltava a Marcha. E sabendo que esse simples acontecimento, inspirado nos jovens de corpo e de alma do mundo todo, tinha um propósito claro e simples - A luta pela manutenção da liberdade, deixei a marcha no meio do caminho para cumprir meu papel em uma montagem da peça "As you like it" de Shakespeare, para mais uma vez, agora no palco, expressar valores como liberdade, generosidade, natureza, amor e amizade.
Posso estar todo fodido pelos conceitos sociais e morais da sociedade e do tempo em que vivo, mas não vou deixar os que se vangloriam de terem lutando contra a ditadura ou impeachmado o Collor viverem até hoje de seus louros secos, com o gozo de achar que eles sim fizeram história, que eles sim é que sofreram, e que eles sim tem algo para falar - como se o pior já tivesse passado. Nem que eu tenha que ser um revolucionário de mim mesmo e resistir em pensamento.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Não existe mais morte no mundo. É tudo permanência, ploriferar de ditos e feitos. Não há mais tempo pra morte no mundo. É tudo tão novo e sempre mais novo que a velha senhora embotou, não veio. Nem se ouve mais o alarido remoto dos caixeiros viajantes de alma, não me aturdem mais com suas ladaínhas os comerciantes do agora. É tudo tão sôfrego. Tudo que é fresco se arrasta, o novo não estala mais de partida. Fagulha cansada de se saber jamais morta. A morte perdeou o tempo, saiu de feriado um dia desses para ver o horizonte e confabular com o marulho espumoso do mar e perdeu a hora. A morte descansa esquecida. A morte não quer mais labuta, abandonou os homens e se espreguiça ao sol quiçá em uma praia deserta. Dessas de cartão postal que ninguém conheçe mas todos supiram. A morte despreocupou e o homem, se julgando venturoso, dela não espera notícia nem retorno. A morte até cansou de ter os pés pra cima, na saída deixou a porta aberta e dela roubaram todos os pertences. A morte foi esquecida, rompeu com a lembrança e nem rastro de pesar deixou. A morte retirou-se.