quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Moira. Ou: bem antes de "nós"

Vês? O abatimento não se faz necessário. O tropeço, talvez, resida na minha incapacidade de amar sem idolatria. Ou amar sem idolatrar, ou ser idolatrado sem ser amado. Nem sei. O certo é que do tropeço concorreu a queda. Também não é necessário que te aflijas corazon. Se curiosos te questionarem os pormenores de estar assim caído, não terás que delatar o culpado - inda que creias ser tu. O culpado está aqui e alí, em mim e em ti. Vês? Somos ambos índices desta história que não exige narrativa. Tu recusaste a anagnórise e eu incorri na ananké. Assim, o que nos devemos exigir agora é o silêncio. O silêncio e a morte. E não deixar rastros escritos ou orais dessa doce desventura. Encerremos o grande fato.

domingo, 1 de abril de 2012

Gosto de bricar de ilusões. Essa sem dúvida é a minha melhor brincadeira. Fantasiar humores, diálogos, encontros.... Transformo tudo, quando sozinho, em dança. E assito-me mover ritimado por entre os móveis da sala e do quarto. Nenhum mobiliário permanece passível neste jogo. Converto todo entrave em cúmplice.
Mas preciso aceitar que agora não me basta versar desgarrado como o vento norte de outrora. Preciso ser direto. e para isso preciso dizer que dentre todas as fantasias, a que mas me apraz ultimamente é a de te fazer presente ao meu lado na cama. Ensaio muitos gestos, infinitas carícias, arroubos violentos, embates ferozes, e a cada vez que palavras me saem da boca a coisa toda esvanece.
Hoje descobri - e redescobri - um métodomantra para não sair da fantasia e com isso te ter em minha cama sem que a tua imagem funâmbula despenque. As palavras são de outro mas quando as penso ou digo soam justas para manter tua presença ilusória presente até que eu adormeça.
Como é madrugada e a aurora se aproxima, faz-se também a hora de entoa-las:

..."e era, Ana ao meu lado, tão certo, tão necessário que assim fosse, que eu pensei, na hora fosca que anoitecia, descer ao jardim abandonado da casa velha, vergar o ramo flexível de um arbusto e colher uma flor antiga para os seus joelhos; em vez disso, com mão pesada de camponês, assustando dois cordeiros medrosos escondidos nas suas coxas, corri sem pressa seu ventre humoso, tombei a terra, tracei canteiros, sulquei o chão. semeei petúnias no seu umbigo; e pensei também na minha uretra desapertada como um caule de crisântemo, fiquei pensando que muitas vezes, feito meninos, haveríamos os dois de rir ruidosamente, espargindo a urina de um contra o corpo do outro, e nos molhando como a pouco, e trocando sempre através das nossas línguas laboriosas a saliva de um com a saliva do outro, colando nossos rostos molhados pelos nossos olhos, o rosto de um contra o rosto do outro, e só pensando que nós éramos de terra, e que tudo que havia em nós só germinaria em um com a água que viesse do outro, o suor de um pelo suor do outro"...

Adormeço, em falsa paz, então.

domingo, 6 de novembro de 2011

Feriado sem ti é todo dia

Matino o feriado qual domingo.
De tudo que fora é vida, dentro
restam os dias
adentramento
o arrastar o correntoso tempo.

Esse ladrar para as nuvens conversando contigo.

Se dissesses cataplasmos de luz
Era curta a via.
Referindo a ele o caminho
fez-se rouco o ronronar.
Augúria aguda luxúria.

Não tinha dito ainda.
O estupor da palavra agarrado a muralha dentada.
Repliquei na repicada resposta e ouvi
marulhos. Corpo tempestade
a colidir contra os batentes.

Matino o feriado qual domingo
Resfolego o dia sanfonando um grito.
Solidão é baião de uma só zabumba.

Seria o desejo cintilância
se por ventura um dia
tua carne de lembraça,
colada a minha,
repetisse na abertura
reentrância.
O canto da matutina cotovia.

Matina-me o feriado todos os dias.
É a luz a craquelar o corpo
insistentemente,
gorjeio de calamitosa euforia.

Perdura a fome.
Morte, secura, anfinetada tapeçaria.
O pó que alojado
opaca a prataria.

Feriado é todo dia
Manhã desalinhada.
Que futuro teria
tua existência calada frente o
úmido de minha humilde pedraria?
Feriado é constância e cama vazia.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

"Não, Não Digas Nada"

Não, não digas nada
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já.
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.
És melhor do que tu
Não digas nada, sê
Graça no corpo nú
Que invisível se vê
Não, não digas nada
Não, não digas nada


Secos & molhados

sábado, 1 de outubro de 2011

Sobriedade

Eu vi as trevas á sua volta
você estava de costas em dedicada atenção
enquanto eu sorvia algo quente
e eu vi a sua escuridão.

Não deixe que ela se retire
segure carinhosamente sua mão
espere um pouco, espere até todos irem embora
você não precisará olhar para trás para saber que eu estarei lá.

Eu prometo manter meus olhos fixos em você
não se preocupe em estar de contas pra mim
não há nenhum mal nisso
só espere todos eles irem embora.

Quando os últimos passos reverberarem na distância
continue de costas, de mãos dadas com sua escuridão
então eu lentamente descerei os degraus
você vai me ouvir chegando cada vez mais perto.

Escute meu ritmo com atenção
é importante que você permaneça imóvel o tempo todo
mantenha seus olhos quietos enquanto eu me uno a vocês dois.

Eu me sentarei a frente de você
e também segurarei sua escuridão pela mão
eu prometo nada dizer se você também assim o fizer.

Seremos então silêncio e permanência
a noite cairá a nossa volta
veremos cada espaço de luz que se esgota.

E nossos olhos não serão molhados nunca
Nunca teremos piedade um do outro
a escuridão estará sempre a nossa volta
mesmo quando nossos olhos se perderem pelo caminho.

Eu prometo nunca largar a mão dela se você também prometer
faremos dela nossa companheira
seremos com ela sempre amáveis
diremos a ela que nunca nos abandone
seremos sóbrios nessa decisão.

Pois eu vi a sua escuridão
e nunca mais me desvencilhei dela.

http://www.youtube.com/watch?v=h04I5MtuOMw&feature=related

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Capítulo 7 - O Jôgo da Amarelinha - Julio Cortázar

" Toco sua boca, com um dedo toco o contôrno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre tôdas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha.
Me olhas, de perto me olhas, cada vez mais perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam entre si, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam dèbilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua entre os dentes, brincando nas suas cavernas onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água."

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Conteção e rebuliço sob a mesma constelação ou Se fosse paragem seria bênção pagã

Eu agora entendo porque saiu enevoada a manhã.
Enquanto o sol fazia suas aparições fugidias, vez por outra, um rio de luz iluminava a quietude de tuas pernas. Eu alí, dentro do rebuliço, pensei na tua contenção particular,nessa postura perdigueira que te possui. Como aquela ave desconhecida que em vôo alto, com asas sempre abertas, desfere círculos inacabados na amplidão plana do céu. Quem sabe me engano e não eram de plumas tuas asas, mas frias hélices a desenhar círculos fechados em si mesmo.
Por um instante pensei que aqueles raios escassos pudessem te converter em pedra. Quem sabe então, eu, Medusa enfurecida, gritaria bem alto conclamando os deuses urbanos que habitam esta sala. Convocaria e conjuraria com eles meus planos secretos na ânsia de que, enfim, ambos reconhecêssemos a terra vermelha que nos tinge a sola dos pés.
Gritei pois meus pensamentos eram como víboras. Assim que expulsei todo ar que tinha dentro de mim tudo se dissipou. Permaneceram os fios de cabelo como os fios do destino, claros, ralos e finíssimos. Gritei para acabar com tua inércia, gritei para te pôr em sobressanto, para que finalmente aflija essa queimadura inaplacável que se tornou teu silêncio.
Mas dali, vinha nada.
Te digo, a postura perdigueira já não me converte mais em caça. Esse teu silêncio - latênte em demasia - não conspurcará mais minha selvageria trágica. Agora somos tu e eu a mesma constelação presa no céu. Os anos se afastam mas ainda assim existe a mesma forma estática a perdurar no tempo. Fica bem!
Eu entendo as quenturas por trás dessa pose de pedra.
Eu entendo as noites onde o sono é um eterno porvir.
Eu entendo a confiaça que depositas no amanhã, e que isso te acalma e permite o entregar-se a paisagem onírica que te é cara.
Eu entendo as manhãs onde a alegria é um rio que escorre manso.
Eu entendo os olhos aflitos.
Eu entendo o peixe a bolir no estômago.
Eu te entendo, e entendendo me reconheço entendido em ti.
Não te dirigirei mais a benção que de meus olhos brota quando te sinto perto. Amanhã serei pedra também, cão de caça a se saber na espreita, de mim só terás silêncio, silêncio e benevolência. Pois eu entendo dos contratos pagãos que fazemos diariamente com nós mesmos, sei da seriedade de nossos ritos solitários, sei teus dias e tuas noites, pois a força que aquela constelação emana não é fácil de se carregar. E disso sei.
Entendo o que sei agora e já nos entendo.
Perdoa-me se falo nós como alguém que junta em um, com isso nada formo e nada crio. É que as coisas distantes e sem interação aparente, por mais que a visão não dê conta, a mim sempre pareceram colidir no campo.