sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Conteção e rebuliço sob a mesma constelação ou Se fosse paragem seria bênção pagã

Eu agora entendo porque saiu enevoada a manhã.
Enquanto o sol fazia suas aparições fugidias, vez por outra, um rio de luz iluminava a quietude de tuas pernas. Eu alí, dentro do rebuliço, pensei na tua contenção particular,nessa postura perdigueira que te possui. Como aquela ave desconhecida que em vôo alto, com asas sempre abertas, desfere círculos inacabados na amplidão plana do céu. Quem sabe me engano e não eram de plumas tuas asas, mas frias hélices a desenhar círculos fechados em si mesmo.
Por um instante pensei que aqueles raios escassos pudessem te converter em pedra. Quem sabe então, eu, Medusa enfurecida, gritaria bem alto conclamando os deuses urbanos que habitam esta sala. Convocaria e conjuraria com eles meus planos secretos na ânsia de que, enfim, ambos reconhecêssemos a terra vermelha que nos tinge a sola dos pés.
Gritei pois meus pensamentos eram como víboras. Assim que expulsei todo ar que tinha dentro de mim tudo se dissipou. Permaneceram os fios de cabelo como os fios do destino, claros, ralos e finíssimos. Gritei para acabar com tua inércia, gritei para te pôr em sobressanto, para que finalmente aflija essa queimadura inaplacável que se tornou teu silêncio.
Mas dali, vinha nada.
Te digo, a postura perdigueira já não me converte mais em caça. Esse teu silêncio - latênte em demasia - não conspurcará mais minha selvageria trágica. Agora somos tu e eu a mesma constelação presa no céu. Os anos se afastam mas ainda assim existe a mesma forma estática a perdurar no tempo. Fica bem!
Eu entendo as quenturas por trás dessa pose de pedra.
Eu entendo as noites onde o sono é um eterno porvir.
Eu entendo a confiaça que depositas no amanhã, e que isso te acalma e permite o entregar-se a paisagem onírica que te é cara.
Eu entendo as manhãs onde a alegria é um rio que escorre manso.
Eu entendo os olhos aflitos.
Eu entendo o peixe a bolir no estômago.
Eu te entendo, e entendendo me reconheço entendido em ti.
Não te dirigirei mais a benção que de meus olhos brota quando te sinto perto. Amanhã serei pedra também, cão de caça a se saber na espreita, de mim só terás silêncio, silêncio e benevolência. Pois eu entendo dos contratos pagãos que fazemos diariamente com nós mesmos, sei da seriedade de nossos ritos solitários, sei teus dias e tuas noites, pois a força que aquela constelação emana não é fácil de se carregar. E disso sei.
Entendo o que sei agora e já nos entendo.
Perdoa-me se falo nós como alguém que junta em um, com isso nada formo e nada crio. É que as coisas distantes e sem interação aparente, por mais que a visão não dê conta, a mim sempre pareceram colidir no campo.

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