quarta-feira, 24 de março de 2010

A Cidade dos Desencontros

Ultimamente tenho tendido a considerar os possíveis enquanto material de potência produtiva, colocando assim em cheque o poder da criação.
Há dois anos ainda com os pés no pampa, onde o deslocamento geográfico quase sempre abarcava a mitológica "garganta do Diabo" - hoje delicadamente convertida em "Vale do menino Deus" - ouvi de um companheiro de trabalho que era quase impossível "criar" algo representativamente novo nos tempos de hoje. Foi neste ponto exato que comecei a questionar-me quanto ao sentido da palavra criação dentro do universo artístico.
Certamente o poder presente nessa palavra desperta um certo vanglorismo tóxico para quem busca se conceber sempre na medida da planificação, da rasura.
Mais tarde quando a possibilidade de fechar o ciclo "boquinha do monte", e a necessidade de irromper por novas paragens se manifestou, São Paulo rasgou o horizonte das possibilidades com a seguinte sentença:
"Sempre há abarrotamento de produção numa metrópole, entretanto há que fazer seu espaço"
Ao ouvir essa esperançosa lamúria não preveni minhas pernas para tanta peleja.
São Paulo nasceu a meus olhos com uma Avenida Paulista nem tão majestosa quanto o furor dos que por ali passavam; mas essa insatisfação pertinente não serviria em nada para incompreender a velocidade do tempo na capital Paulista, muito menos para dar suntuosidade as lanternas do primeiro bairro que desejei conhecer: Liberdade.
Considero a rotina o único material passível de traçar um caminho tenha ele o sentido que tiver, e dentro dessa perspectiva risonha o dia a dia na "cidade dos desencontros" ganha uma proporção espantosa. Há, aqui, a possibilidade de nascer e morrer com cem anos podendo almoçar sem repetir o mesmo restaurante, além de escolher entre aproximadamente mil e trezentas salas de cinema quando der vontade de ver um filme. Para quem procura um contato mais pessoal pode encontrar quase quatrocentos espetáculos de Teatro, Dança, Circo e performance sendo apresentados diariamente; sem falar nos eventos de música - eternamente populares - e nas exposições de arte.
Por falar nisso os paulistanos esperam ansiosamente a megaexposição de cento e setenta obras do consagrado artista da Pop Art Andy Warhol. Tamanha espera não é de se surpreender levando em conta a popularidade de Warhol, e ainda mais em se tratando de São Paulo, considerada por mim o centro Pop do Brasil.
Toda essa oferta gera uma demanda inimaginável, a não ser que você perceba que pode demorar semanas ou meses para conseguir rever um amigo, ou que você pegue um metrô lotado na famosa "hora do rush" (inconcebível para mim até então) na linha vermelha. Essa linha é responsável pela revitalizarão de inúmeras ferrovias esquecidas desde a queda da economia cafeeira, e proporciona também a incrível experiência de estar na estação da Sé na bendita hora em que nos sentimos "como gado a caminho do matadouro".
Entretanto esse trajeto concentra em si a região mais incrível da cidade a meu ver: o antigo Centro Novo, com seus prédios destacando a arquitetura e o abandono do período de ascensão do mercado econômico nacional. Definitivamente essa é a minha região preferida da cidade, que durante o dia parece não fechar com sua atual estética residencial, e que a partir da "hora mágica" recebe todos os seres da noite sejam eles carnais ou não.
A noite é uma coisa bastante controversa em São Paulo para que gosta da rua, principalmente depois da lei anti-fumo e do "Psiu" que pegou a Rua Augusta, e região, no exato momento em que ela passava por uma renovação; ressurgiram casas noturnas, a Praça Roosevelt configurando-se como o point dos artistas de teatro, o Bloco de rua Baixo-Augusta, e a famosa deambulação noturna que fez da região muito mais do que uma zona de prostituição.
Dizem por aqui que "praia de paulista" é shopping (lugares assustadores), entretanto a noite é certamente dos barzinhos e de um novo tipo de curtição cada vez mais popular entre os habitués noturnos: as festas em casa. Cada vez mais esse tipo de balada invade os salões de condôminos, apartamentos e casas, gerando inclusive festas semanais que circulam por diversos pontos da cidade.
Adjetivamente São Paulo é a meu ver a Cidade dos Desencontros, onde há muita gente querendo conhecer e ser conhecida, muito estresse, e muitos programas para relaxar e desestressar que acabam deixando as pessoas mais irritadas, seja pelo trânsito, pela chuva, pela poluição ou pela dificuldade de escolher entre tanta coisa para se fazer.
Frente a todo esse caos aparente a vida na cidade se organiza através da criação de pequenos guetos de resistência, e criam-se o grupo dos descolados e seus points, o dos atores, dos arquitetos, dos artistas plásticos, cinéfilos e assim por diante. E claro que há uma interação tremenda devido ao grande número de inadequados que insistem em circular por diversos pontos possíveis, convertendo a criação em algo a ver com aquele botãozinho ao lado do endereço eletrônico: atualização. O segredo da sobrevivência nesse clichê real chamado selva de pedra.



Correspondência para o jornal "Palco de papel" produzido pelo Macondo Coletivo de Santa Maria - RS. Para ver na integra se liga no link : http://palcoforadoeixo.blogspot.com/2010/03/palco-de-papel-1.html

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