terça-feira, 17 de agosto de 2010

Fit São José do Rio Preto

Tenho essa sensação de que estou sempre me aproximando do teatro, com isso minhas experiências cotidianas têm adquirido o constrangimento daqueles momentos em que reencontramos alguém conhecido mas que não nos recordamos ao certo de onde, como, ou quando. Esse estranhamento me tem assaltado o caminho freqüentemente, e recentemente de maneira bastante significativa com a participação no Festival Internacional de São José do Rio Preto.
A quadragésima primeira edição do festival que apenas a dez anos passou a abarcar a produção mundial propôs nesse ano uma curadoria voltada para noções como alteridade, conquista de singularidades, criação experimental, maneiras distintas de comunicação, novos modos de subjetivação, e investidas processuais de anseios nem sempre super elaborados, mas que manifestem inquietação e inconformismo.
Entretanto, essa curiosidade toda não pretende renegar mestres do passado ou colocar na plateleira noções chaves do trabalho do ator, mas simplesmente questiona-las, mistura-las a essa sensação de vida enquanto experiência estilhaçada. Mais como para quando a razão se confunde com a loucura e a poesia se esfrega, sua, sangra e ri.
Há uma espécie de requinte estético em jogo quando se busca a alteridade teatral, um risco assumido que reflete momentos particulares de exposição de conceitos, de modos de lidar com ato em si. Dentro dessa proposta pude presenciar três espetáculos que propuseram maneiras distintas de apresentar sentimentos ou idéias; o primeiro espetáculo que vi foi "Las Julietas" do Uruguai, dirigido e escrito por Marianella Morena juntamente com quatro atores.
O espetáculo coloca o grupo de atores em conflito com o texto "Romeu e Julieta" de Willian Shakespeare e a nostalgia do homem uruguaio a partir da copa do mundo de 1950. A cena evoca uma naturalidade livre das amarras convencionais através da fluição de um diálogo que mais parece representar um grupo de amigos/atores de meia idade; a cena parece envolta de um certo sentimento característico da população uruguaia que nos escapa, mas que o humor acaba por aproximar.
Na seqüência consegui ver os americanos do New York City Players com "Ode ao homem se ajoelha". A peça revisita o Western e, diferentemente dos uruguaios, o sentimento de nostalgia não suscita a face risível de uma nação, mas certo ceticismo frio de uma civilização seca de espiritualidade. A peça se arrasta através de uma narrativa e diálogos monocórdicos, onde os atores não são estimulados pela cena, mas mais parecem imagens esmaecidas de um presente/passado sem latência. Vê-se uma inexpressividade terrível que assola a platéia com uma imobilidade impactante, então se escutam soar diversas canções em estilo country e a vida parece continuar lentamente.
Em contrapartida a essa abordagem fria da cena o grupo espanhol Kamchatka trouxe a poesia para as ruas de uma maneira extremamente espontânea, suscitando na relação com público uma participação que de nenhuma maneira caiu no piegas. Quinze pessoas chegaram em um pequeno distrito por uma rua de acesso principal, se achegaram silenciosos com aquele olhar ingênuo do clown e uma mala na mão, e lá estiveram durante noventa minutos a explorar um pouco da vida do público. Despediram-se várias vezes mas nunca partiam, distraíram-se com um vizinho a olhar a rua, beberam com alguns senhores num boteco de esquina, namoraram, abraçaram-se e partiram murmurando uma cantiga antiga carregada de afeição.
Para mim ficou um pouco mais clara a idéia de acontecimento, de processo contínuo onde um espetáculo torna-se apenas uma abordagem do momento presente, e o que se faz viver é uma realidade compartilhada em determinadas noções cuja simples inversão de olhar poderia destruir a linguagem que nasce. Estes três espetáculos ressaltaram a idéia de caminho presente no trabalho do ator, uma necessidade de refletir essa instabilidade que é a vida real de uma maneira que não visa comunicar alguma coisa, mas contemplar, participar, interferir, deixar-se levar.
A velha questão sobre o momento de agir ou deixar o tempo dar a medida das coisas mostrou-se palpável e as escolhas se tornaram potência, enquanto a realidade ia sendo permeada por diversos possíveis "fazer teatro" pareceu algo mais leve. As dificuldades de produção parece que foram superadas naquela semana, e o ar ganhou uma textura agradável de mistério que a arte têm; E fica desde agora a vontade de que apareçam mais festivais.

OSrM

_correspondência para o Palco de Papel - Jornal do Palco Fora do Eixo

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